Névio Fiorin: Caminhos e atalhos para “esperançar”

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Paz e Bem!

Nessa manhã, Frei Volney José Berkenbrock, um dos moderadores eleitos, fez alguns comunicados sobre a dinâmica e o cronograma dos próximos dias. Frei Toni Michels, coordenador da Comissão Preparatória, fez a apresentação do assessor Névio Fiorin, que foi frade de nossa Província, e hoje continua com seu trabalho junto ao ISER.

Névio explicou que trabalha junto ao movimento Fé e Política, com as Comunidades Eclesiais de Base, justamente nesse esforço de avaliar a realidade, fazer análise de conjuntura e alargar o olhar para o horizonte.

Junto ao Movimento Fé e Política, a palavra forte é Esperança, mas na linha de Paulo Freire, não na espera passiva, mas sim compromissada. Esperançar, portanto, pois o Senhor caminha conosco, não estamos sozinhos e o povo também não está sozinho.

Para entendermos aquilo que se passa hoje no país, precisamos antes ver o quadro de fundo, o chão onde se desenrola essa conjuntura que estamos vivendo. Para isso, alguns pontos são importantes e precisam ser considerados. Não é possível mais fazer análise de conjuntura sem levar em conta a realidade de nossa casa comum, sem considerar os problemas que o planeta apresenta. Somos uma grande comunidade de vida, e precisamos lembrar disso. Cabe a nós todos, cada um no seu lugar, mas a todos nós cabe pensar um outro modo de produção. Pois a crise está aí e não conseguimos enxergar aonde ela vai. Trata-se de como assumir que a Terra é um ser vivo, e como tal tem seus direitos. A natureza tem seus direitos. Evoluímos muito nos direitos dos animais, maus-tratos são sinais de revolta facilmente.

Para entender esse modo de se relacionar e valorizar a Terra, podemos aprender com os povos naturais. Valores como o “bem viver” dizem muito! Para o povo guarani, por exemplo, o índio não tem propriedade, ele tem o chão para viver. A aldeia não tem cercas, tem referências: até o rio, até tal montanha… isso forma a comunidade, é a casa da aldeia. Bem viver representa um pouco essa postura de respeito onde pisamos, onde vivemos.

Desde 1979, a Campanha da Fraternidade nos alerta sobre a questão ambiental; sempre volta essa preocupação, e, mesmo assim, pouco aparecem iniciativas concretas em nossas comunidades. São poucas as que realmente se empenham no cuidado com a natureza, desmatamento, lixo etc.

Mesmo a COP26 retrata o mundo em que estamos vivendo: um mundo de muitas tensões. Nações com interesses próprios acima do bem comum. Vários países não compareceram como deveriam e os resultados foram insuficientes. A visão de que a natureza é, na verdade, um reservatório de recursos a ser explorado. Os interesses que se impõem são de grandes empresas, com capital maior que muitos países, ideais de empresas se impõem nesse contexto.

Precisamos nos perguntar como nos colocamos diante da Mãe Natureza: que legado deixaremos para a geração futura. Quando a Amazônia entra na discussão internacional, países se preocupam com a reserva de recursos, que são perdidos, e nosso governo não se preocupa nem com isso. É como se queimássemos nossa biblioteca de Alexandria.

Olhemos agora um pouco para o caminho do Brasil. Seus passos recentes de desenvolvimento. Diante dos apelos e necessidades, o capitalismo teve de se manifestar diante do projeto socialista, o estado de bem-estar social, de certo modo é uma resposta à população, garantindo que conseguiriam construir liberdades e benefícios melhores. E realmente conseguiram: o capitalismo da Suécia, por exemplo, é o melhor socialismo possível. Nosso contexto mais próximo levou a uma preocupação na economia, que levou ao aumento de salário, com isso o trabalhador consegue sanar suas necessidades e sobrar algum dinheiro. Hoje, economistas entendem que o aumento do salário mínimo não gera desemprego por onerar o empregador, pelo contrário.

Em 2006, com a descoberta do Pré-sal, outro fator importante no relacionamento do governo com as empresas. E desse produto estatal, porcentagem do lucro deveria ser destinado para o social e educação… Mas não se fala mais nisso. Imprensa que foi tão efetiva na investigação de alguns casos de corrupção agora não se manifesta mais sobre essas questões. Aos poucos, novamente, empresas vão ocupando lugares comuns, comprando e assumindo a própria imprensa.

Tudo gira em torno das tensões com os interesses das grandes corporações, que não querem renunciar a seu lucro.

Em 2012, com interferência dos EUA, o escândalo (midiático inclusive) da Lava Jato trouxe consequências em todos os âmbitos. Um verdadeiro estratagema de guerra, com consequências diretas para a privatização e abertura de mercado para conglomerações com seus interesses próprios.

“O Brasil não é um terreno aberto onde pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desfazer muita coisa para depois fazer”, disse Bolsonaro ao visitar o então presidente dos EUA, Donald Trump. Essa luta ideológica contra o fantasma do comunismo leva tudo em seu caminho.

Outro front de guerra está sendo a saúde, que por causa da pandemia não foi mais desaparelhada ainda, mas claramente o SUS é atacado em vista dos interesses das empresas de saúde privada, planos de saúde e hospitais.

Diante desse cenário desastroso, precisamos buscar esperança. E onde vamos esperançar nessa atualidade? Buscando referências nos exemplos que surgiram, de solidariedade e fraternidade, iniciativas e caminhos que surgem e se mostram. Alegrias que estão ali e continuam firmes.

Quem está na pastoral direta, tem a missão de despertar o povo para isso, para a Esperança real, fruto do compromisso e posicionamento. Fomentar iniciativas que ajudem e provoquem os poderes públicos para verdadeira mudança.

Na parte da tarde, os trabalhos retornaram com a participação do plenário. Alguns frades se inscreveram para participar e a reflexão ficou mais dinâmica com a partilha de iniciativas de cada realidade local. Foram grandes sinais de esperança, trabalhos em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, de reforço ao associativismo e vários outros projetos em nível cooperativo, de valorização da agroecologia e alternativas ao agronegócio imperialista. Partilha também de reflexões e questionamentos sobre a matriz do desbravamento, da conquista, avessa ao diálogo e incompatível com o Evangelho. Essa matriz imperialista não consegue aceitar que dentro da Floresta Amazônica, preservada e defendida, os povos possam se sustentar e dar testemunho de integração saudável com a natureza.

Vimos como os frades estão sim envolvidos em iniciativas, projetos e inspirações proféticas que nos levam a esperançar junto do povo por um mundo melhor a todos. Vimos também como uma pós-verdade construída por interesses criminosos pode se perpetuar e estar presente mesmo entre nós. É o caso do MTST, tantas vezes visto com descaso e desmerecimento, e que protagoniza projetos tão valorosos como distribuição de alimentos e reeducação ecológica-agrícola.

A partir desses depoimentos, a reflexão progrediu sobre a real tensão entre agronegócio, que financia mídia positiva para si, que investe em agrotóxicos e cultivo extremo da terra, e a proposta – já real e concreta – de agroecologia, onde o respeito à natureza e utilização de técnicas não agressivas e de grande produtividade também.

Nos tempos antigos, o religioso, o padre, rodavam os interiores para abençoar, visitar as plantações, os currais, havia uma presença direta e vínculo, laços com os produtores. Perdemos muito isso, que seria um caminho de atuação e conscientização.

Hoje a produção de pós-verdades e fake news semeiam, por exemplo, uma ideia de que ONGs estão prejudicando a Amazônia, impedindo o desenvolvimento, desmerecendo o povo, e é justamente o contrário. ONGs ambientais são o terror o agronegócio por causa da denúncia e do trabalho de conscientização que elas promovem. A Amazônia é realmente uma preocupação e um tesouro que precisa ser preservado.

O neoliberalismo, por vezes, aproxima-se de táticas fascistas, como eliminação de parcelas da população – os que geram mais custos e produzem menos, ou os que não se alinham aos valores dos dominantes. A realidade da pandemia levantou mesmo muitas acusações de genocídio, tal a gravidade do número de mortes e o terror que se espalhava pelo mundo. Em paralelo, situações como a invasão no Capitólio, nos EUA, parecem bandeiras de um movimento intolerante e violento.

Diante desse mundo complexo, gravemente ferido e instável, qual o nosso papel, enquanto franciscanos? Certamente o de reconhecer, trazer à luz e inspirar sinais de esperança, de luta e de vida! A alegria do Evangelho que se faz no concreto do dia a dia.

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