A manhã do último domingo (6) foi marcada por uma missa campal no Convento da Penha, Vila Velha, em memória às vítimas do trânsito. Famílias marcadas pela tragédia se uniram em um mesmo propósito: pedir paz no trânsito. A missa, celebrada pelo frei Paulo Roberto, lembrou a importância de se valorizar a vida sem, no entanto, esquecer a responsabilidade que cada um tem no trânsito.
Essa é a oportunidade que todos nós temos para refletir a partir do sentido de viver. Tem muita gente aqui hoje com uma memória muito dolorida de vidas que foram abreviadas pela violência no trânsito. Por isso, é muito importante juntar tanta gente para rezar porque a fé nos dá alento, a fé nos dá coragem para lutar, para continuar. Ninguém se conforma com essa sociedade geradora de mortes. Nós fomos feitos para viver e é isso que a gente veio celebrar hoje aqui”, disse o frei.
Idealizador e organizador do evento, o Corregedor-geral do Estado, Fabiano Contarato, se disse muito decepcionado com a escalada da violência no trânsito. Para ele o Estado tem falhado no seu papel de fiscalizador e legislador.
“Cadê as blitze? Eu não vejo mais blitze. O poder público está falhando na educação por que o Código de Trânsito determina, desde 1997, que a educação no trânsito tem que estar nas escolas de ensino fundamental, médio e superior, e a letra da lei está morta, deitada eternamente em berço esplêndido. O poder público falha na legislação, pois ela garante não a sensação, mas a certeza da impunidade. Por isso, isso eu tive essa iniciativa, há doze anos, que é uma forma de o poder público ser mais humanizador, ou seja, é humanizar a dor, é tentar se colocar na dor do outro, por que essas mortes são, em sua grande maioria, evitáveis. Então, este é o momento da sociedade refletir, de fazer parte disso. Pois não basta eu ficar falando, essa luta tem que ser de todos. Todos somos responsáveis e fazemos parte da mesma sociedade”, desabafou Contarato.
Segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes, a violência no trânsito brasileiro tem números alarmantes. Um deles refere-se às sequelas que são deixadas para toda uma vida: mais de 2,5 milhões de pessoas ficaram permanentemente inválidas e mais de 50 mil morreram em razão de acidentes registrados no Brasil, nos últimos sete anos.
Na nona posição no ranking nacional de mortes no trânsito, o Espírito Santo apresenta um cenário desafiador. O Estado lidera a lista na região Sudeste com 29.1 óbitos para cada 100 mil habitantes.
A dor da perda trágica é sentida pela família do caminhoneiro Joelson Manuel da Silva Júnior, que perdeu a vida aos 42 anos, quando estava trabalhando. Em um dia chuvoso, trafegando num trecho em péssimo estado de conservação, caiu em um buraco, perdeu o controle e bateu de frente com outro caminhão. Deixou a esposa e dois filhos órfãos e uma família inteira despedaçada.
Irmã de Joelson, Jamily da Silva, estava na missa junto com a mãe e a cunhada. Bastante emocionadas elas mantêm a esperança de um trânsito mais seguro e uma postura mais rígida do poder público.
“A morte do meu irmão ainda nos causa muita dor. Ele perdeu a vida devido às péssimas condições das nossas estradas que são irregulares, não duplicadas, cheias de buracos. Esse acidente trouxe muita dor para a nossa família, uma coisa que a gente tem como reparar mais. A única coisa que a gente pode fazer agora é rezar por ele e pedir que as autoridades olhem mais por essas famílias, para outros não sofram como nós. O que ficou foram a dor e a saudade”, disse Jamily.
Essa indignação é compartilhada também pelo frei Paulo. “O sentimento de impunidade, de que os ricos nunca são punidos e que apenas os pobres padecem nas cadeias, isso nos indigna, deixa um sentimento muito ruim, abre uma chaga difícil de ser curada porque quem é posto para cuidar, não cuida. Os agentes públicos têm responsabilidade na criação das leis e na aplicação delas, o cuidado com as vias, com os sinais e, às vezes, esse desleixo é gerador de mortes”, critica.
Mas a sociedade também tem a sua parcela de culpa e responsabilidade e, muitas vezes, deixa de cumprir com o seu papel como destaca Contarato.
Eu fico muito triste quando não comparecem, quando não vem muita gente por que, com todo o respeito, quando você fala em marcha para liberar drogas vão professores universitários, alunos, jovens, vão dez, 15 mil pessoas. Fala-se corrida das cores, todo mundo se pinta e vai para lá. Agora, para defender a vida humana, infelizmente, ninguém quer participar. Até a morte bater à porta de sua casa ou até o seu filho, da noite para o dia, ficar paralítico ou paraplégico, sem a perna ou o braço, com deformidade permanente. Aí você vai querer que a lei mude, vai reparar que está ficando órfão”, finaliza Contarato.
Participando do evento com apoio, distribuindo água mineral e ações educativas, a autoescola KM distribuiu material do projeto Movimento Rua Coletiva, que tem como objetivo conscientizar a população a respeito da urgente necessidade de um trânsito mais seguro para todos.
“Estamos fazendo o apoio à missa pelo terceiro ano consecutivo distribuindo água e por um trânsito harmônico e em memória às vítimas que tiveram as vidas ceifadas nas vias do nosso Estado. Nós da KM trabalhamos por um trânsito seguro e paz na estrada começa com cada um de nós”, Alexandre Ramos, diretor da autoescola.
Texto: Luzimara Fernandes | Jornal Fatos e Notícias