Paz e Bem!
Até agora nos voltamos ao Espírito, em oração, no retiro e nas celebrações, e nos debruçamos sobre reflexões profundas, instigantes, em uma análise de conjuntura bastante provocativa. Nessa tarde de quarta-feira, 24 de novembro, nos voltamos para aquilo que é próximo de nós e que já nos impulsiona nessa caminhada para sermos verdadeiros em nossa vocação franciscana. Frei James Girardi nesse primeiro momento e, depois Frei Sandro Roberto da Costa, se dispuseram a nos auxiliar nesse caminhar.
Uma primeira motivação foi justamente sobre a importância de nos escutarmos, pois somos “da mesma carne”, habitamos a mesma casa comum. E aprendemos o modo próprio da escuta humilde com o Papa Francisco, que ao iniciar seu pontificado, se inclina ao povo e pede que rezem por ele. Da mesma forma, o magistério de Francisco, o de Roma, é profundamente inspirado em Francisco, o de Assis. A palavra forte de seu magistério é dialogar! Isso aparece não só no texto, mas ainda mais nos seus gestos. Ele faz questão de ir ao encontro, participar, se aproximar… e dialogar… desarmado, sem falar de cima, com humildade e caridade.
O atual sínodo, voltado para a própria sinodalidade quer ser não apenas um slogan, mas um modo reassumido com vigor, pois a Igreja sempre foi sinodal, isso não é novidade. Da mesma forma a Ordem Franciscana: ela nasce da inspiração de que todos os irmãos têm que caminhar juntos e se escutar!
Qual a relação entre sinodalidade e o tema do capítulo? Tem tudo a ver! Os objetivos do Sínodo são também os objetivos do nosso Capítulo, não somos uma ilha, estamos na Igreja, somos parte da Igreja e da realidade. O sínodo quer desencadear processos que gerem mais sinodalidade, mais diálogo, mais proximidade… e tornem isso mais natural. O método para isso é escutar. O método privilegiado do Capítulo deve ser escutar, cada frade, mesmo aqueles que não estão aqui, mas escutar a partir de suas realidades. Mas escutar como método e com método! Não podemos sair daqui com vários bons conselhos apenas. A escuta tem um objetivo que é discernir. E para discernir o caminho é participação. Se não houver participação ficamos pelo caminho.
Minoridade e Fraternidade
Frei James citou um artigo recente de Leonardo Boff, por ocasião da Festa de São Francisco, fazendo a leitura de algumas partes, entre elas a seguir:
“A pobreza para Francisco não é um exercício ascético. É um modo de vida. Consiste em remover tudo o que possa me distanciar do outro: os bens, os saberes e principalmente os interesses. Como a palavra – interesse – sugere é aquilo que fica entre (inter) mim e outro. Quis despojar-se disso tudo. Colocar-se de joelhos, à altura do outro, para estar olho a olho e rosto a rosto. Sem distância, você sente o outro como seu irmão ou sua irmã, sua pele, seu olhar e o pulsar de seus corações”. (http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/613445-o-serafico-pai-sao-francisco-o-ultimo-cristao-artigo-de-leonardo-boff)
A partir da caminhada das fraternidades no processo de preparação desse capítulo, é importante trazer aqui algumas dessas inquietações. Não repetir o que as fraternidades já disseram, mas recuperar algumas inspirações. Para ajudar também fez algumas citações da Evangelii Gaudium, a fim de iluminar e fundamentar a reflexão. Das contribuições das fraternidades ressaltou a insistência na necessidade de retomar a importância da fraternidade, como intrínseca ao ser frade. As fraternidades reconhecem isso, os frades reconhecem, querem trabalhar para ser mais fraternos.
Além da Fraternidade, é a Minoridade que nos distingue na Igreja, não a pobreza! Sobre isso, os frades reconhecem que o estilo de vida de nossas fraternidades são por demais secularizadas, e se preocupam sobre isso. Frei James encerrou com a leitura dos artigos 9 e 10 do Documento Final do Capítulo Geral.
9. Um dos temas principais, emerso durante nosso Capítulo geral, foi a necessidade de renovação de nossa identidade franciscana e da vida fraterna. Reconhecemos que, como todas as pessoas, também nós somos influenciados pelos contextos em mudanças de nossas comunidades locais e globais. Como disse o Papa Francisco, “hoje, não vivemos uma época de mudança, mas uma mudança de época”, que pode ser vivida pessoalmente e coletivamente como desestabilizadora (PAPA FRANCISCO, Encontro com os participantes no V Congresso da Igreja italiana, Catedral de Santa Maria da Flor, Florença, 10 de novembro de 2015). Os membros da Ordem dos Frades Menores não são imunes a essas mudanças, mas devemos lembrar que nossa vocação é a de ser “peregrinos e forasteiros” no mundo (Rb 6,2; Test 24) e, por isso, ser “discípulos missionários” (Evangelii gaudium, 120) no mundo, mas não partidários do mundo.
- A tarefa de renovar nossa identidade franciscana requer discernimento, estudo, formação e ação. Não podemos simplesmente ter confiança no status quo como suficiente para justificar nosso senso de autocomplacência. O povo de Deus pede mais de nós, em virtude de nosso empenho público de ser frades menores, a exemplo de S. Francisco. Jamais precisamos ter medo de ‘recomeçar’ pois, como nos recorda Tomás de Celano, no fim de sua vida, S. Francisco “não julgava que já o tivesse alcançado e, permanecendo infatigável no propósito da santa renovação, esperava sempre recomeçar”. (1Cel 103).
REFLEXÃO DE FREI SANDRO ROBERTO DA COSTA
À noite, Frei Sandro Roberto da Costa conduziu a reflexão, e se propôs a abordar os temas da evangelização, formação inicial e permanente e pastoral vocacional, haja visto que Frei James na parte da tarde refletira sobre Fraternidade e Minoridade. Explicou que a motivação desse momento seriam os apelos da Ordem e da Igreja, ou seja, aquilo que precisamos chamar atenção. Não é questão de ser ou não pessimista, mas de elencar pontos de tensão e desafios.
O Papa Francisco, quando ainda Cardeal Bergoglio, na Conferência de Aparecida, já adiantava pontos de tensão como autorreferencialidade, autopreservação, e modelos fechados… convidando então para uma verdadeira conversão pastoral que tenta implementar em seu pontificado.
A partir da Evangelii Gaudium, podemos entrever naquilo que é como que um projeto de governo de Francisco, diversas provocações para conversão. O Papa Francisco insiste em uma Igreja em saída, dialogal, misericordiosa. E isso tem a ver com como estamos em nossas frentes, pois a Igreja é chamada a ser sempre a “casa do Pai”, por isso, precisa ter também as portas abertas, para aqueles que buscam a Deus em um momento de dor, não encontrem as portas fechadas. Também as portas dos sacramentos não devem estar fechadas! Não somos controladores e a Igreja não pode ser uma alfândega!
Não vivemos mais em um regime de cristandade, e quando as instituições não atendem os anseios da pessoa, elas saem, procuram outra paróquia, ou outra religião. Não se trata de acomodar, pelo contrário, proporcionar uma espiritualidade que cure, transforme e liberte…
A questão não é dar respostas prontas para tudo isso, mas sim se importar, acolher e procurar a melhor maneira para lidar com essa realidade de uma sociedade pluralista.
Quanto à nossa formação, destacou diversos desafios e fragilidades, no âmbito pessoal, psíquico, mas deu ênfase nas referências que se tornam desviantes, e levam o religioso a se perder. Dinheiro, vaidade e soberba, mas também a falta de dedicação ao Evangelho.
A seguir confira o texto de sua reflexão.
Apelos da Igreja e da Ordem
Na Conferência de Aparecida os bispos propuseram um modelo de pastoral que foi denominado de “conversão missionária”. Cardeal Bergoglio, um dos principais protagonistas desta Conferência, uma vez Papa, está levando em frente este impulso, tentando promover uma verdadeira “reforma” na Igreja. Francisco está, de várias maneiras, insistindo para que a Igreja saia de sua autorreferencialidade, postura típica de regime de cristandade, e se situe nas “periferias existenciais”.
O Papa Francisco insiste nesta “conversão”, em seus pronunciamentos, escritos, usando expressões como “conversão pastoral”, “reforma das estruturas”, “Igreja em saída”, ao mesmo tempo colocando em xeque a “pastoral de conservação”, a “autopreservação” eclesiástica, a “autoreferencialidade”, a “introversão” clerical/religiosa. A convocação do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade insere-se totalmente neste processo de Reforma.
Bergoglio assumiu o nome de Francisco. Isso é, sobretudo, um desafio. O documento final do Capítulo afirma que “estamos vivendo um tempo nitidamente franciscano na vida da Igreja e no magistério do Papa Francisco”. Destaca também que as encíclicas Laudato Sí e a Fratelli Tutti são desafio e guia para a ação franciscana no mundo contemporâneo.
Evangelização sob o sinal da Renovação Pastoral
- Inspirações do Documento preparatório do Sínodo: Para uma Igreja Sinodal: Comunhão Participação e Missão.
O documento preparatório do Sínodo declara que o “caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”. O Sínodo se insere no processo de “atualização” da Igreja, proposta pelo Concílio Vaticano II, que está sendo fortemente reproposto por Francisco. Com o Sínodo a Igreja poderá colocar em prática os processos que a podem ajudar a viver a comunhão, a realizar a participação e a abrir-se à missão. O “caminhar juntos” é o que mais implementa e manifesta a natureza da Igreja como Povo de Deus peregrino e missionário (n. 1)
A sinodalidade é o «específico modus vivendi et operandi da Igreja, o Povo de Deus, que manifesta e realiza concretamente os “…eixos fundamentais de uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” (10 e 11).
- “…a sinodalidade representa a via mestra para a Igreja, chamada a renovar-se sob a ação do Espírito e graças à escuta da Palavra […]. Imaginar um futuro diferente para a Igreja e para as suas instituições [Província e Vida Consagrada em geral], à altura da missão recebida, depende em grande medida da escolha de encetar processos de escuta, diálogo e discernimento comunitário, em que todos e cada um possam participar e contribuir”.
(Recordo que no Relatório do Ministro Provincial que foi enviado às fraternidades, consta a “sugestão ao ministro a ser eleito neste Capítulo é que ele procure, no início de seu serviço, visitar as fraternidades e chegar às diversas instâncias de nossa vida e missão. Isto será mais proveitoso para a Província e mais frutuoso para o seu ministério” [p. 3].)
– Ao lado dos pobres: “Uma Igreja capaz de comunhão e de fraternidade, de participação e de subsidiariedade, em fidelidade ao que anuncia, poderá colocar-se ao lado dos pobres e dos últimos, emprestando-lhes a própria voz”.
– Deixar-se converter e educar pelo Espírito: Para “caminhar juntos”, é necessário que nos deixemos educar pelo Espírito para uma mentalidade verdadeiramente sinodal, entrando com coragem e liberdade de coração num processo de conversão.
1.2 Inspiração da EG
O caminho sinodal do Papa Francisco, de reforma das estruturas, é consequência do seu “programa de governo”, expresso na Evangelii Gaudium.
O Papa insiste também na “conversão pastoral”: na reforma das estruturas, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de «saída», para não cair vítima duma espécie de introversão eclesial» (João Paulo II) (25–28). Abandonar o critério do «fez-se sempre assim» (33). Ser “ousados e criativos […] repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades” (n. 96).
Francisco insiste numa “Igreja em saída”, missionária, dialogal, misericordiosa, evangelizadora. Esse “sair” de Francisco, tem a ver com o modo como estamos em nossas frentes. Sair diz respeito a “encontro”, a relações: que as igrejas e comunidades estejam de portas abertas: 47 “A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos desta abertura é ter, por todo o lado, igrejas com as portas abertas”. Que aqueles que buscam a Deus, “não esbarrem com a frieza duma porta fechada”.
As portas dos sacramentos, especialmente Batismo e Eucaristia, também não devem ser fechadas. “Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fatigante”.
Francisco propõe uma reforma de todas as estruturas eclesiais. Insiste numa conversão pastoral que atinja todos os âmbitos da Igreja. Está muito presente a crítica à “autopreservação”, à “autoreferencialidade”: (27): “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (27).
Importa não ter medo de sair: 49. “Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo… prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. …Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis”.
Mas esse sair também não é motivado por proselitismo, nem apologética. É o próprio Jesus que nos envia, por seu amor: sair e anunciar, “não como inimigos que apontam o dedo e condenam” (271), mas: “Só pode ser missionário quem se sente bem, procurando o bem do próximo, desejando a felicidade dos outros” (272).
No documento de preparação para o Sínodo, (11) essa expressão volta: “uma Igreja sinodal é uma Igreja “em saída”, uma Igreja missionária, «com as portas abertas» (EG, n. 46)”.
- Um dos problemas nas instituições eclesiásticas: “a atitude burocrática com que se dá resposta aos problemas […] …predomina o aspecto administrativo sobre o pastoral, bem como uma sacramentalização sem outras formas de evangelização”.
1.3 Documento Final do Capítulo Geral
“Não teremos futuro se nós nos preocuparmos somente de nós mesmos. Teremos futuro se vivermos nossa missão para os outros, como fraternidade evangelizadora. […] Somos chamados a sair no mundo e a fazer-nos próximos a todo o povo de Deus, especialmente de quem é pobre e está marginalizado”.
1.4 Proposta da Síntese – Capítulo 2021:
“Sabe-se que o franciscanismo não nasceu dentro de paróquias, mas […] alguns confrades entendem-se e se comprometem mais com sua identidade presbiteral que com sua vocação à vida consagrada franciscana. Novas presenças de irradiação do carisma, ou o renovado acento à identidade carismática poderá nos ajudar a dar renovado influxo à uma ação evangelizadora, mesmo paroquial, mais franciscana.
Reconhece-se que se tirou um pouco o foco da pastoral exclusivamente paroquial, mas constata-se que é preciso “caminhar mais para uma maior abertura e valorização dos demais trabalhos […] para termos maior disponibilidade de servir às necessidades das Igrejas Locais: em pastorais e movimentos […] fraternidades itinerantes […] estar presentes nas Igrejas Locais por meio de ações missionárias.
- Evangelização e promoção social
2.1 Inspirações da EG
A EG insiste na íntima conexão entre evangelização e promoção humana (178): “Embora «a justa ordem da sociedade e do Estado seja dever central da política», a Igreja «não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça»… Evangelizar é empenhar-se no combate às injustiças e à pobreza, na defesa dos direitos das minorias. Não é assistencialismo nem caridade cristã: é “promoção humana”.
- “Não esquecer dos pobres” é o critério de autenticidade da Igreja. Lembremos aqui de Pedro Casaldáliga: “Na dúvida, fique do lado dos pobres”.
2.2 Proposta da Síntese ao Capítulo 2021, para a Evangelização e promoção social:
“Sobre a evangelização, que haja o incentivo e uma opção consciente de direcionar nossos esforços missionários à inclusão social em todos os níveis, com o desejo de se colocar a serviço dos últimos”
“Recorda-se que espaços novos de evangelização são o serviço de acompanhamento dos migrantes e refugiados, a monitorização das políticas públicas, a criação e acompanhamento de pequenas comunidades de fiéis que vivem no mesmo bairro ou no mesmo condomínio, o resgate do ofício tradicional de capelania de hospitais, asilos e orfanatos, serviços de acolhida aos homossexuais, dependentes químicos, pessoas que se afastaram da Igreja, prisões, etc. Isso tudo rumo às periferias existenciais e sociais”.
De uma forma mais simples, poderíamos nos questionar sobre a possibilidade de disponibilizar espaços ociosos em nossas fraternidades e presenças para a realização de projetos de promoção humana e social. O SEFRAS poderia auxiliar neste quesito.
Inaugurar centros de acolhimento e irradiação de nossa espiritualidade franciscana.
3) Alguns desafios levantados à Evangelização no mundo atual: Novas formas de expressão religiosa, fundamentalismos, intolerância, devocionismo, secularização, pluralismos
3.1 Inspirações da EG:
A EG 63 enuncia uma série de desafios à Evangelização:
– proliferação de novos movimentos religiosos; fundamentalismo; espiritualidade sem Deus; religião sem religião; cristãos sem Igreja.
(70) “Cresce, nas Igrejas, um cristianismo feito de devoções, individualista, ligado a um sentimentalismo, que não corresponde a uma autêntica “piedade popular”. Promovem uma fé desligada da vida, sem se preocupar com a promoção humana, e, pior, para obter benefícios econômicos ou poder sobre os outros”. É o que podemos denominar de “crise do compromisso comunitário” (Susin).
diminuição de católicos, pluralismo religioso
(70) distanciamento dos jovens, desilusão com a tradição católica, [exigências de uma vida familiar ideal para participar dos Sacramentos; a realidade de uma vida prática totalmente contrária…]; êxodo para outras comunidades de fé: “89. o desafio que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo desencarnado e sem compromisso com o outro […]”.
Algumas causas: desestrutura familiar, a influência dos meios de comunicação, “o subjetivismo relativista, o consumismo desenfreado, falta de cuidado pastoral pelos mais pobres, a inexistência dum acolhimento cordial nas nossas instituições, e a dificuldade que sentimos em recriar a adesão mística da fé num cenário religioso pluralista”.
Como não vivemos mais no Regime de Cristandade, quando as instituições não atendem às legítimas aspirações e necessidades das pessoas, são simplesmente abandonadas: há outras ofertas, talvez mais atraentes, no mercado religioso. “89: Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus”[1].
O Novo rosto do clero: “O grande problema que se constata na volta a modelos de padre do passado é a incapacidade de lidar com uma sociedade pluralista, onde o discurso religioso é um em meio a tantos. […] O despreparo para conviver com um mundo plural, característico de nossa época, pode levar o padre a se defender do mundo, refugiando-se em costumes e hábitos antigos, já solidificados pela tradição, como também a um nicho de poder, que sua função eclesiástica lhe confere.” (248).
Sincera busca espiritual
- “…Na vida quotidiana, muitas vezes, os citadinos lutam para sobreviver e, nesta luta, esconde-se um sentido profundo da existência que habitualmente comporta também um profundo sentido religioso…”.
O mundo urbano como lugar privilegiado de evangelização
- “Isto requer imaginar espaços de oração e de comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações urbanas…”.
3.2 Documento final do Capítulo:
Destaca a preocupação com a evangelização dos jovens adultos, “que não confiam mais nas instituições” (29); o trabalho em prol da justiça, paz e integridade da criação (30); evangelização do “continente digital”; o trabalho com os refugiados e migrantes (32).
Formação: inicial e permanente
- Crise do humano, acomodação, individualismo, problemas psíquicos (ansiedade, depressão, síndromes e transtornos vários [de bornout, de borderline, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno ciclotímico, síndrome de pânico, etc])
1.1 Inspirações da EG
(78). Hoje percebe-se, em “muitos agentes pastorais, mesmo pessoas consagradas, uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais de autonomia e relaxamento, que leva a viver os próprios deveres como mero apêndice da vida, como se não fizessem parte da própria identidade. Ao mesmo tempo, a vida espiritual confunde-se com alguns momentos religiosos que proporcionam algum alívio, mas não alimentam o encontro com os outros, o compromisso no mundo, a paixão pela evangelização. Assim, é possível notar em muitos agentes evangelizadores – não obstante rezarem – uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor. São três males que se alimentam entre si”.
(81). Por outro lado, percebe-se também que há “… sacerdotes que se preocupam obsessivamente com o seu tempo pessoal […] que sentem imperiosamente necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se uma tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso e não uma resposta alegre ao amor de Deus…”. O resultado é o que ele denomina de «pragmatismo cinzento da vida quotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas na realidade a fé vai-se deteriorando e degenerando na mesquinhez».
- “… É impressionante como até aqueles que aparentemente dispõem de sólidas convicções doutrinais e espirituais acabam, muitas vezes, por cair num estilo de vida que os leva a agarrarem-se a seguranças econômicas ou a espaços de poder e de glória humana que se buscam por qualquer meio, em vez de dar a vida pelos outros na missão.”
Num Discurso no Congresso Internacional da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, (04 de maio de 2018), o Papa afirmou: “Existem três degraus para da consagração religiosa para a mundanidade religiosa […]:Primeiro: o dinheiro, ou seja, a falta de pobreza. Segundo: a vaidade, que vai do extremo de se fazer “pavão”,a pequenas coisas de vaidade. E terceiro: a soberba, o orgulho. E dali, todos os vícios. Mas o primeiro degrau é o apego às riquezas, o apego ao dinheiro”.
2) Clericalismo, autorreferencialidade, mundanismo (são, ao mesmo tempo, obstáculos e desafios para a Evangelização, mas também são questões ligadas diretamente à formação, inicial e permanente).
2.1 Inspirações da Evangelii Gaudium
- “Este obscuro mundanismo [tem] a pretensão de «dominar o espaço da Igreja». Em alguns, há um cuidado exibicionista da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas não se preocupam que o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história. Assim, a vida da Igreja transforma-se numa peça de museu ou numa possessão de poucos”. Noutros, o próprio mundanismo espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder mostrar conquistas sociais e políticas, ou numa vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, ou numa atração pelas dinâmicas de autoestima e de realização autorreferencial.
A obra O Novo rosto do clero afirma que “A nova perspectiva de presbíteros, por suas práticas pastorais e comportamentos pessoais, ao se vincularem ao recente deslocamento do profético para o terapêutico, e do ético para o estético na esfera da experiência religiosa, tem provocado tensões e entraves nos processos pastorais…” (17).
Destaca ainda, nos meios eclesiais, o “recrudescimento de conservadorismos, tradicionalismos e fundamentalismos, sobretudo presentes na espiritualidade, na eclesiologia e na volta do clericalismo. Há segmentos importantes da Igreja fazendo do passado um refúgio, o que redunda em enrijecimento institucional e em entrincheiramento identitário. São segmentos da Igreja incapazes de dialogar com uma sociedade grávida de novos sinais dos tempos, vistos, entretanto, como ameaça à fé que professam” (122).
2.2 Documento do Sínodo
O documento preparatório do Sínodo elenca o clericalismo e os vários tipos de abusos (de poder, econômico, de consciência, sexual) como obstáculos para um verdadeiro “caminhar juntos”. A Igreja inteira é chamada a confrontar-se com o peso de uma cultura impregnada de clericalismo, que ela herdou da sua história, e de formas de exercício da autoridade nas quais se insinuam os vários tipos de abuso (6).
2.3 Apelos da Ordem
Os ns. 22-24 do documento da Ordem tratam do clericalismo que “surgiu frequentemente durante o Capítulo Geral”. E exorta: “A essa finalidade, pedimos novos modos para favorecer nossa conversão permanente nesse âmbito, convidando todos os frades a jamais perder de vista o fato de que nós todos somos, antes de tudo irmãos, antes de qualquer ministério, posição ou título que podemos exercitar ou desempenhar”.
24: “O Capítulo Geral também solicitou novos modos de conduzir a formação inicial e permanente nesse âmbito (clericalismo), com atenção especial sublinhando a vocação peculiar daqueles frades não chamados ao ministério ordenado”.
2.4 Síntese Capítulo Provincial 2021
Destaca que estamos todos em processo de formação permanente e que as frentes de evangelização são espaços privilegiados para um contínuo crescimento humano, em prol da construção do Reino de Deus. Porém, destaca também que “falta à nossa Formação Inicial e Permanente um acompanhamento mais claro e efetivo do amadurecimento humano e afetivo dos confrades, resultando em numerosos e desafiadores obstáculos às relações fraternas, exercício da missão e integração pessoal”.
(Do “nosso mundo é o claustro” para “nosso mundo é o quarto”): “É sentido um movimento de liberação da aquisição e uso de eletrônicos e eletrodomésticos que fazem dos quartos uma bolha de isolamento para os confrades, onde estes têm acesso a distrações e confortos que os levam a ficar cada vez mais tempo neste ambiente, em detrimento dos espaços comuns e fraternos. Frades desapaixonados pelo espírito e vida na missão evangelizadora, vivendo como “irmãos moscas” numa vida cômoda. Este é, entretanto, apenas um sintoma da dificuldade à abertura à fraternidade. Vemos frades comprometidos com seus mundos, seus vínculos afetivos externos, suas opções e projetos personalistas que consomem seu tempo e energia, resultando na realidade onde apenas “usam” da fraternidade para seu pessoal conforto e estabilidade”.
2.5 Propostas concretas da Síntese do Capítulo
“…uma formação afetivo-sexual mais presente e eficiente […] superar o tabu de se falar da afetividade, para que se crie espaços de partilha de crises e possíveis problemas afetivos, ou mesmo na área da sexualidade. Ainda não somos formados para compartilhar sentimento”.
“…criação de um programa de Formação e Acompanhamento Humano e Afetivo que seja seguido nestas duas grandes etapas da formação do Frade Menor […] oferecer um acompanhamento psicológico programático aos formandos, principalmente na Formação Inicial. [..] confrades e guardiães… peçam/sugiram ajuda neste sentido.
No acompanhamento vocacional, uma filtragem mais rigorosa de alguns candidatos com distúrbios de ordem psicológica”.
“Os guardiães também poderiam receber maior capacitação para a lida destas fragilidades humanas […] esta é a missão mais exigente dos guardiães, mais até que a administração de recursos e patrimônio”.
“Nos diversos fóruns da Formação Permanente […] promover continuamente a reflexão acerca da qualidade de vida (física, mental e espiritual) nas fraternidades, além do gerenciamento das emoções, sentimentos e pensamentos (inteligência emocional) e respeito à diversidade. […] Atividades específicas poderiam ser preparadas para frades que experimentam uma crise pessoal, assim como a consolidação de algumas fraternidades de referência disponíveis para […] refazimento da própria vida e vocação. Deveria se oferecer e “cobrar” acompanhamento psicológico”.
Reformulação do processo formativo
“Há uma percepção de que as estruturas metodológicas da Formação Inicial precisam de atualização urgente. Para isso, uma “autocrítica” se faz sempre necessária. [Perguntar-nos] se o apego a lugares e estruturas não tem nos impedido de pensar novas possibilidades”. Como auxiliar os “formandos com suas dificuldades e problemas sempre novos?”. Os formadores devem ser capazes de ouvir sem julgamentos [sinodalidade na formação], sejam “portos seguros” onde o formando possa encontrar confiança para seguir seu caminho formativo. Que possam expressar seus problemas sem serem taxados como “problemáticos”. Enfim, que os formadores desenvolvam técnicas de escuta e acompanhamento, e que tenham critérios menos técnicos/normativos, e mais humanos e personalizados”.
“… o Serviço de Animação Vocacional deve, desde o princípio, dar enfoque à identidade franciscana. Por mais que o perfil dos vocacionados esteja mudando, ainda é percebida a imaturidade de expressões de fé, desencontradas do Evangelho ou desconectadas com nossos princípios”.
Cuidar com as possíveis pretensões de ascensão social ou clericalismo, com o errôneo enfoque no ministério ordenado como objetivo, ou mesmo profissão.”.
“Sobre a revisão dos modelos formativos, é necessário que se tenha claro o perfil do frade que a Província deseja formar […] que levem os formandos a serem mais apaixonados pela missão, pelo povo, capazes de diálogo e trabalho em fraternidade e sinodalidade.
A Ordem, no Documento Final recorda as duas características essenciais da Espiritualidade de São Francisco: a experiência de conversão permanente e uma vida de penitência.
Questões:
– Como podemos interpretar, em se tratando de vida de Província, o espírito da “autopreservação”, da “autorreferencialidade”, a “introversão” clerical/religiosa?
– Como podemos ser “Província em saída”, a partir de nosso Plano de Evangelização?
– Como podemos incorporar, em nossas decisões, reflexões, o espírito sinodal, de “Caminhar juntos”, de vivenciar o espírito de “comunhão, participação e missão”?
– como evangelizar com e como os pobres, principalmente diante da situação desesperadora de miséria em que vivem muitos dos que frequentam nossas frentes de evangelização?
Pergunta do documento do Sínodo
Formar para uma mentalidade sinodal: “A espiritualidade do caminhar juntos é chamada a tornar-se princípio educativo para a formação da pessoa humana e do cristão, das famílias e das comunidades. Como formamos as pessoas, de maneira particular aquelas que desempenham funções de responsabilidade no seio da comunidade cristã, a fim de as tornar mais capazes de “caminhar juntas”, de se ouvir mutuamente e de dialogar? Que formação oferecemos para o discernimento e o exercício da autoridade? Que instrumentos nos ajudam a interpretar as dinâmicas da cultura em que estamos inseridos e o seu impacto no nosso estilo de Igreja?”
Como trabalhar a Formação Inicial e Permanente, de modo que seja uma “formação sinodal”?
Como vivenciamos a cultura do clericalismo em nossa Província? Como vencê-la/combatê-la? Como formar os frades para serem, de fato todos, “irmãos menores”?
[1] Cito aqui um trecho do livro O Novo Rosto do Clero: “Em lugar das respostas prontas, respaldadas em referenciais preconcebidos, trata-se de levar a sério as pessoas, enquanto indivíduos, sua maneira de pensar, seus sentimentos, suas opiniões e seus desejos reprimidos. Em lugar da submissão a regras preestabelecidas, [as] instituições são desafiadas a se flexibilizarem, sob pena de serem esvaziadas e tornarem-se obsoletas” (119).