Moacir Beggo
O responsável pelos arranjos tem um nome conhecido: Tião de Oliveira, simplesmente o filho de Maurício de Oliveira, o ícone capixaba na música e primeiro brasileiro a gravar a obra completa para violão de Heitor Villa-Lobos.
Maurício faleceu em setembro de 2009 e deixou como herança uma família de músicos: Tião, os netos Geraldo, Lucas, Eduardo e Antônia. Mas somente Tião viveu e vive da música. Hoje, aposentado, Tião não toca mais nas noites como fez como músico profissional, mas prefere tocar em shows e conta nesta entrevista que a descoberta da música pastoral é recente, embora a devoção à Virgem da Penha vem desde garoto.
Aos 66 anos, Tião é casado com Emerenciana, que ajudou na Festa da Penha como voluntária, e com quem teve uma filha, Antônia, que todo ano empresta sua arte nos teclados na Missa de encerramento.
Site do Convento da Penha – Seu pai, filho e neto de pescadores, teve dificuldades para convencer a família que poderia viver da música. No seu caso, deve ter sido bem diferente e o apoio veio cedo?
Tião – De fato, o apoio dele nessa questão foi muito mais confortável do que no caso dele. Mas ele não quis que eu me dedicasse exclusivamente à música e exigiu que eu fizesse um curso superior. Com uma formação definida, eu poderia depois definir se gostaria de ser músico ou exerceria outra profissão.
Site do Convento da Penha – Como era seu pai?
Tião – Meu pai foi uma pessoa fantástica como todos os filhos amam seus pais. Mas, no caso dele, era muito especial para mim porque nós comungávamos de uma coisa fantástica que havia entre nós: a música. Então, além de pai e filho, nós éramos irmãos músicos. E isso nos aproximou ainda mais. Ele era exigente, perfeccionista e foi um autodidata.
Ele era seu mestre musical?
Tião – Ele foi o meu grande mestre, não tenha dúvida.
Site do Convento da Penha – Com quantos anos aprendeu a tocar violão?
Tião – Eu aprendi mais tardiamente, porque ele, com cinco anos, já tocava cavaquinho. E eu comecei mais tarde, lá pelos 12 anos, embora ele quisesse me ensinar aos 7 ou 8 anos. Mas nessa idade eu queria ser jogador de futebol, como todo garoto. Eu aprendi aos 12 anos, mas aos 13 eu já comecei a tocar.
Site do Convento da Penha – O fato de ser filho de um ícone da música capixaba e brasileira ajuda ou atrapalha?
Tião – Tem dois lados. Veja bem, a penetração se torna mais fácil. Se ele referenda, a coisa vai… Ao mesmo tempo, carrego essa responsabilidade comigo até hoje, porque tenho de tocar muito. Mas, com sinceridade, quem tocou muito foi ele. Eu simplesmente faço a música como eu gosto de fazer. O grande músico foi ele.
Site do Convento da Penha – Você, os netos Geraldo e Lucas, violinistas, e a filha Antônia, pianista, mantêm a obra de Maurício. O DNA da música está no sangue da família?
Tião – Isso permaneceu e eles são praticamente músicos também, só que não vivem da profissão. O Geraldo é ortodentista; o Lucas é médico, junto com o irmão dele, o Eduardo, que é muito talentoso e também é médico. O Eduardo e o Lucas são filhos da Ludmila, minha irmã, e o Geraldo é filho da Heloísa.
Site do Convento da Penha – Você só tem uma filha?
Tião – Sim, a minha boneca, que é música também. Quando era criança, eu quis ensinar violão para ela, mas surpreendentemente ela mostrou que queria ser pianista.
Site do Convento da Penha – A família (a mãe Dona Luiza) ainda mora no Barro Vermelho?
Tião – Minha mãe mora na mesma casa em Barro Vermelho, onde viveu com meu pai seus últimos anos. Ela fez questão de não ir para a casa de seus filhos. Quis ficar na casa dela, para cuidar do jardim onde passava horas conversando com meu pai. E até hoje ela cuida desse jardim com carinho.
Maurício de Oliveira, o “pescador de sons” |
O capixaba Maurício de Oliveira faleceu aos 84 anos em 2009. Passou a infância na Praia do Suá, onde garoto aprendeu a tocar cavaquinho e depois passou para o violão. Na adolescência, formou dupla com o irmão José – os Irmãos Oliveira. O desejo de ser músico se consolidou ainda mais com as apresentações na Rádio Espírito Santo. “O violão é a minha alma; minha alma é o violão. Eu não tenho alma não; minha alma é um violão” – com essa frase, concedida em entrevista em 2006, Maurício de Oliveira transmitiu seu amor pelo instrumento que tocava. O primeiro disco, um compacto simples, saiu pelo selo da Continental em 1952. Depois vieram outros, por gravadoras diferentes, como também as viagens para apresentações pelo país e no exterior, onde recebeu prêmios e honrarias. Sua biografia musical registra ainda a passagem pela big band do consagrado Hélio Mendes, onde tocou guitarra. Maurício de Oliveira adquiriu prestígio dentro e fora do Brasil ainda nos anos 50. Suas amplas possibilidades ao violão o levaram para Varsóvia (Polônia) em 1955, local onde ocorreu o Festival Internacional do Violão para a juventude e onde ele conquistou o honroso segundo lugar com a interpretação de sua música mais famosa: “Canção da Paz”. Como não bastasse sua produção musical, o cargo de Diretor Artístico da Rádio Espírito Santo lhe propiciou diversas apresentações,tanto em Vitória como no Rio de Janeiro, com músicos consagrados na MPB, onde podemos citar como exemplo Orlando Silva, Dominguinhos, Luís Gonzaga, Altemar Dutra, Artur Moreira Lima e Grande Otelo. Sua vida rendeu ainda o livro O Pescador de Sons, de autoria do jornalista e escritor Marien Calixte. |
Discografia* Compacto simples com as músicas Ardiloso e Esplanada – 1952 – 1ª obra gravada por um capixaba * Maurício de Oliveira e seu violão – 1960 – Musiplay * Um violão e novas emoções – 1960 – Musiplay * Hélio Mendes/ Weekend no Rio – 1961 – Gravado no Rio de Janeiro * Hélio Mendes/ Weekend em Guarapari – 1961 – Ganhou o Prêmio Euterpe, recebido do governador Carlos Lacerda, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro * Hélio Mendes e seu Trio Vagalume – 1963 * Hélio Mendes, seu piano e seu conjunto – 1964 arranjos musicais * Hélio Mendes, seu piano e seu conjunto – 1966 arranjos de Maurício * Villa-Lobos e o violão/ volume 1 – gravadora London * Villa-Lobos e o violão/ volume 2 – gravadora London * Violão em tempo de valsa – 1968 – gravadora London * O Concerto de violão de Villa-Lobos – 1970 – * Maurício de Oliveira interpreta Dilermando Reis – 1971 – gravadora London * Canção da Paz – 1972 – gravadora London * Maurício de Oliveira interpreta Ernesto Nazareth ao violão – 1980 – Lançado em homenagem aos 50 anos da Fundação Jônice Tristão * Maurício de Oliveira Erudito e Popular – 1985 * Encontro/ Maurício de Oliveira e Ernesto Nazareth – 2000 – Disco promocional Biografias * O Pescador de Sons, vida e a obra do violonista capixaba Maurício de Oliveira; Marien Calixte (jornalista e escritor).* Maurício de Capixaba Oliveira Pescador de Sons, filme de Cloves Mendes. |
Site do Convento da Penha – Qual a sua ligação com a festa da Penha?
Tião – Vou te contar uma história que não falei para ninguém. O que me aproximou muito da Penha – e fico meio arrepiado de falar sobre isso – é que, quando eu era garoto, sonhei várias vezes com um padre que se aproximava de mim como que querendo falar comigo. Com medo, eu sempre corria para o quarto de meu pai, que me tranquilizava dizendo que não era nada. Mas eu sempre sonhava e ele acabou me proibindo de ir ao quarto dele. Quando aconteceu novamente, sai correndo, sem fazer barulho, e foi então que vi a imagem de Nossa Senhora da Penha, muito luminosa, na minha frente. Não sei se foi uma coisa de garoto, mas o fato é que aquilo me emocionou muito durante toda a minha vida e nunca mais tive esse sonho. Sempre amei Nossa Senhora, mas como músico profissional nunca tinha comparecido ao Convento para dar uma ajuda, até que conheci o casal Túlio e Rosilene, que me trouxe para tocar na equipe deles no Convento. Na família, o lado de meu pai é católico e da minha mãe é kardecista, embora minha mãe seja católica. Papai era devoto de São Pedro e Nossa Senhora. São Pedro representava o mar, o peixe que vinha para casa.
Site do Convento da Penha – Qual o estilo musical que prefere?
Tião – Eu aprendi a tocar música pastoral com Rosilene. Na música profissional, eu adoro jazz, bossa nova. Gosto muito da música instrumental e do choro.
Site do Convento da Penha – Quais os músicos de sua preferência?
Tião – No choro adoro o Jacó do Bandolim e Pixinguinha; na bossa nova, João Gilberto e Tom Jobim; e no jazz gosto de muitos, especialmente George Benson, que é guitarista.
Site do Convento da Penha – Quantos CDs já gravou?
Tião – Não tenho CD solo, mas gravei participações em vários discos, como o de Cláudio Abreu, Documento Capixaba, na música pastoral participei do CD de Frei Florival, como músico e arranjador em seis faixas; e no CD de Marcos da Mata, “Celebrando o Amor I e II”, participei como arranjador e músico em quatro faixas. Eu gosto de fazer arranjos, como aconteceu agora para a Missa de encerramento. Eu me sinto muito feliz de poder ajudar neste festa de nossa Padroeira do Espírito Santo.
Site do Convento da Penha – Você vive da música hoje?
Tião – Atualmente estou aposentado. Eu sempre vivi da música e, como músico, toquei muito na noite. Talvez por isso nunca pude tocar aqui no Convento, já que viajava muito e dormia muito tarde. Agora, gosto de tocar mais em shows e não trabalho mais à noite.
Site do Convento da Penha – O que é a música para você?
Tião – Acho que Deus foi muito generoso comigo. Me deu de presente a música. Por quê? Eu respiro música 24 horas por dia e a música me sensibiliza muito. Esse verbo sensibilizar não é só no sentido de elevar. É mais profundo ainda. É porque quando se dá um acorde, quando se dá uma frase bonita os ‘cabelos’ dos meus braços se arrepiam. Quando eu ouço um disco, a parte superior onde está a melodia eu gosto muito, mas o que mais gosto é o que está lá dentro: são os contracantos, as harmonias. Deus me deu esse dom de perceber e esse ouvido para ouvir. Eu sou muito feliz e agradecido a Deus por esse dom.
Site do Convento da Penha – Como você define o Tião de Oliveira?
Tião – Falar de mim é um pouco complicado. Então, vou falar de algumas virtudes e erros meus. Acho que uma virtude é saber respeitar as pessoas que convivem comigo, sendo elas comuns ou não, amigos ou músicos. Se estivesse dirigindo um ensaio, jamais me dirigia aos meus amigos músicos de forma ostensiva. Não sou assim. Mas, ao mesmo tempo, tem o outro lado, pois acho que deveria ser mais esperto. Sou uma pessoa muito tranquila e isso me atrapalha. Por exemplo, se tenho que entregar uns arranjos, deixo tudo para o final. Aí, entro a noite adentro para manter o prazo. Então, gostaria de corrigir isso. Às vezes, a coisa está pegando fogo e eu estou tranquilo (risos). Sou também perfeccionista como meu pai e isso se torna um sofrimento porque quando vou fazer um arranjo, praticamente paro a gravação por detalhes. Digo: “Eh, essa nota poderia ser desse jeito!”. E aí todos reclamam: “Tião, não inventa, está tudo muito bom!”. Mas eu vou lá e mudo a nota na hora da gravação. A perfeição não existe, não é mesmo? É sempre uma meta.