Frei Gustavo Medella
Bofetada, escarro, chicotada, espinho, prego, suor, zombaria, covardia. Toda sorte de humilhação o Cristo enfrentou por conta de sua firme fidelidade ao Reino. Nunca estendeu a mão contra ninguém, mas levou uma certeira bofetada do soldado que lhe escoltava. Sua saliva, utilizou-a na pregação do Reino e, certa vez, usou-a para curar um cego. Do soldado, ganhou uma cusparada que lhe sujou o rosto e feriu a alma. Quanto ao chicote, chegou a usá-lo, mas nunca para agredir alguém, apenas revoltando-se contra o comércio e a exploração praticada em nome de Deus. Em contrapartida, recebeu no corpo chicotadas que lhe rasgaram a pele e lhe abriram feridas latejantes. Dispensou todo tipo de glória e bajulação, mas teceram-lhe uma coroa de espinhos que afundaram-lhe crânio adentro gerando uma dor lancinante e uma hemorragia extenuante. Suas palavras eram duras e proféticas, mas sempre libertadoras. Na cruz, prenderam-lhe com pregos brutos, grandes e grossos que perfuraram músculos, tecidos e nervos. Nunca ridicularizou ninguém, mas foi alvo de zombaria e irreverência de quem ainda não havia compreendido a natureza de seu poder.
Os absurdos da Sexta-Feira Santa, além de nos comover e emocionar, devem nos despertar mais uma vez para a indignação profética diante da covardia e da crueldade que, com frequência, atualizam para os nossos dias a Paixão de Cristo. As perversidades de um sistema que, no auge do absurdo cria um ambiente de medo, ódio e opressão no qual meninos de pouco mais de 18 anos são capazes de disparar 80 tiros na direção de um carro no qual se encontrava uma família. Pobre matando pobre e Jesus novamente crucificado. Este é apenas um exemplo. Infelizmente existem muitos outros. A situação só pode mudar se mantivermos nossa indignação e se esta se tornar em mobilização comprometida em transformar esta situação de verdade, sem demagogia ou discursos baratos e simplistas que em nada nos ajudam a construir a paz e a concórdia.
Salve, ó Cruz, doce esperança!
Frei Clarêncio Neotti
Jesus está morto na Cruz! O Filho de Deus, que assumiu a nossa carne no seio de Maria, por obra e graça do Espírito Santo, e “armou sua tenda entre nós” (Jo 1,14), foi posto fora do convívio humano! Jesus de Nazaré, que passou entre o povo, fazendo o bem, dando vista aos cegos, ouvidos aos surdos e fala aos mudos (Me 7,37), está morto, pregado numa cruz. O Cristo, enviado pelo Pai para perdoar os pecados e lavar a desgraça da humanidade, carregou sobre si toda a nossa iniquidade e sucumbiu ao peso dos nossos crimes.
Nosso coração treme e chora diante do mistério da Cruz, do mistério de um Cristo morto. E chora, porque cada um de nós tem nisso sua parte de culpa. Os Apóstolos saíram pelo mundo, dizendo a todos que eles foram testemunhas dessa morte do Senhor Jesus, suspenso numa cruz (At 10,38-43). Também nós somos testemunhas, sabemos que de nossos pecados foram feitos os açoites da flagelação. Traímos como Judas, mas não nos desesperamos como Judas. Traímos como Pedro. E choramos como Pedro, porque esperamos na misericórdia. Do lado aberto de Cristo nasce uma torrente de misericórdia e perdão. Dessa morte, causada pelos nossos pecados, recebemos “graça sobre graça” (Jo 1,16). São Paulo, olhando para a Cruz do Senhor, escreveu aos romanos: “Onde o pecado se multiplicou, superabundou a graça” (Rm 5,20).
Olhando para o Cristo morto na Cruz, melhor que de lágrimas, nossos olhos se encham de esperança. E podemos cantar com a Liturgia: “Salve, ó Cruz, doce esperança! / Concede aos réus remissão! / Dá-nos o fruto da graça, / Que floresceu na Paixão!” A Cruz, de instrumento de suplício e maldição, transformou-se num trono de graça. A Carta aos Hebreus nos convida: “Aproximemo-nos confiantemente do trono da graça a fim de alcançar misericórdia e alcançar a graça de um bom auxílio” (Hb 4,16). A Cruz, de momento de frustração e desespero, tornou-se a nascente de todas as esperanças, sobretudo, da esperança de que Você se converta, de que Você se lave no sangue do Cordeiro de Deus imolado na Cruz, de que Você confesse com todas as veras do coração, como o soldado romano: “Verdadeiramente, este homem Jesus é o Filho de Deus” (Me 15,39).
Os textos foram reproduzidos do Portal franciscanos.org.br