Maria Zélia: “Somos chamados a fazer o que Jesus fazia: Vida, e vida em abundância”

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A Semana Franciscana 2023, que está sendo realizada no formato on-line, teve início nesta segunda-feira, 25 de setembro, com a palestra da Ministra da Ordem Franciscana Secular (OFS), do Regional de Belo Horizonte, Maria Zélia Castilho de Souza Rogedo, que falou sobre o tema “Francisco de Assis, a vivência do Evangelho e a defesa da vida”. O mediador Sérgio Baraveli, OFS, lembrou que Zélia foi a primeira mulher a se tornar assistente episcopal para o Setor Político do Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental (Veaspam) da Arquidiocese de Belo Horizonte.

O diretor do Instituto Teológico Franciscano, Frei Sandro Roberto da Costa, fez a abertura do evento. “Com alegria, damos as boas-vindas a vocês”, saudou o frade, lembrando que estamos nos aproximando das festividades de São Francisco de Assis. E ainda destacou os Jubileus Franciscanos dos 800 anos: Regra Bulada e Natal de Greccio, em 2023; Impressão dos Estigmas de São Francisco, em 2024; o Cântico das Criaturas, em 2025; e a Páscoa de São Francisco, em 2026.

Frei Sandro lembrou que nesta terça-feira, às 20 horas, Frei Gilberto da Silva vai falar sobre “Francisco de Assis e o Cristo no presépio de Greccio”.

Maria Zélia abriu sua fala citando o grande poeta, Carlos Drummond de Andrade, conterrâneo dela: “Mundo, mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução”. Segundo ela, sobre esse tema poderia falar da mesma forma: “vida, vida, vida…”. “Um tema vasto e fiquei pensando que fio da meada poderia tomar aqui. Me veio, então, uma frase do Evangelho que repetimos muito: ‘Eu vim para que todos tenham e vida em abundância’. A gente repete tanto que, às vezes, perde a grandeza desta palavra de Jesus. Depois temos a frase: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. Então, foi esse Jesus que se faz vida na encarnação e que tornou Francisco de Assis apaixonado. A encarnação do Verbo é de uma força vital inaudita. Então, a gente pensa assim: Como é que pode um Deus se fazer um de nós. E da maneira mais frágil, dependente do um peito de uma mulher ou então morria, dependente do cuidado do pai, ou então ele se perdia. É um mistério imenso. Isso já nos coloca numa perspectiva de que essa encarnação mostra um Deus que não para no espaço. Ele não vem dizer: eu sou o caminho a verdade e a vida no espaço. Não! Não é algo abstrato. A encarnação é algo de muito concreto”, frisou. Para ela, não é uma reflexão sobre vida do ponto de vista intimista, individual, desligada de processos, de momentos, de história.

Segundo ela, todo cristão é aquele que realmente percebe e vive esse Cristo como caminho. “E é um caminho de vida. E uma vida plena. ‘Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância’. E eu falei há pouco que a gente repete essa frase, uma frase muito forte, sem se dar conta do tanto que ela é provocadora a cada um de nós. Quer dizer, nós como seguidores de Jesus, do jeito que Francisco de Assis tão radicalmente seguiu. Cotidianamente, precisamos dizer: ‘Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância’. E que vida é essa? Seria apenas a vida dos seres humanos? Já seria muita coisa. Ou seria apenas de bilhões de pessoas que vivem nesse mundo? Seria a vida da grande porcentagem das pessoas aqui no Brasil que quase não têm vida, mas um arremedo de vida?  Quer dizer, que vida nós estamos falando?”, questionou.

Com a Encarnação, Jesus viveu imerso onde ele nasceu. “Ele assimilou tudo aquilo, ele questionou ao longo do tempo várias maneiras de ser do ponto de vista da cultura e da religião da época. Ele estava vivendo dentro daquela sociedade. Ele não estava pairando no ar. Todo o processo dele foi um processo de vida, de levar vida a todos”, observou.

“Quando Jesus encontra com a mulher que estava com fluxo de sangue há doze anos, ele a toca, o que era uma coisa proibida na época, e a cura. Quando ele toca, está mostrando que ele veio trazer a vida. Sem medo. Quando toca no leproso, quando ele toca no surdo, no mudo, quando ele faz todo aquele trabalho de recuperação da pessoa numa vida plena, ele está ali mostrando que veio para que todos tenham vida plena. Então, não é só fazer o paralítico andar, o cego ver. Quer dizer, é um convite a todos nós nesse trabalho de comunicar essa vida plena. Que as pessoas vejam mais, que as pessoas possam andar de uma forma independente. Então, sempre está presente nas relações de Jesus essa busca para que todos tenham vida e a vida em abundância”, acrescentou.

Maria Zélia perguntou: O que significa vida em abundância? Concretamente, segundo ela, no Brasil são as pessoas mais pobres. “A nossa espiritualidade fala em sermos menores entre os menores. Fala em caminhar juntos com os desvalidos, os descartados, como o Papa diz. Como é que é essa vida? Como é que nós, franciscanos seculares, seguidores de Jesus, estamos nos colocando diante dessa enorme quantidade de pessoas que têm uma subvida, uma vida sub-humana. Qual é a nossa tarefa, vamos dizer assim? Qual o nosso testemunho diante disso?”, voltou a questionar.

Comentando o voto da ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), nas primeiras 12 semanas de gestação, e disse: “Eu duvido que alguém no mundo aprove o aborto. Não me entra na cabeça alguém que aprove o aborto. Eu acho que o aborto fere profundamente a vida. Eu não acredito que as mulheres que fazem aborto no Brasil – e a maioria gente muito pobre -, façam porque acham interessante, porque ‘sou dona do meu nariz, da minha barriga’. Eu acho muito importante que a gente pense e vá fundo numa reflexão sobre a vida”, disse, lembrando que acontecem 8 abortos por dia de meninas de 10 a 14 anos; 800 mil mulheres fazem aborto todos os anos, sendo que 200 mil morrem.

“Quando nós pensamos que o aborto é quinto maior causador de mortes maternas, isso deve nos levar a pensar sobre isso. E eu fico pensando: Qual é o olhar de Jesus para essas mulheres que fizeram essa coisa terrível? Esse ato machuca fisicamente a pessoa, tem consequências graves no físico das mulheres que fazem aborto e tem consequências gravíssimas do ponto de vista psíquico. Como é que Jesus olharia para elas? Aí me vem à mente quando aquela mulher adúltera seria apedrejada. Naquele momento, fazia parte da lei. Fez uma coisa errada, pedra nela! Ninguém estava fazendo nada errado. Podia-se matar a pessoa com a aprovação da lei mosaica. Então, o que acontece naquele momento? Como Jesus atua ali? Em silêncio, ele não subiu num banquinho para fazer um discurso. Vendo aquela mulher apavorada, chorando, prestes a ser assassinada, ele simplesmente fala: ‘Quem não cometeu nenhum pecado que atire a primeira pedra’. E aquelas pessoas foram saindo aos poucos, porque nós todos temos nossas mazelas. Eu acho muito bonito o gesto de Jesus diante daquela mulher apavorada. Ele a olha com aquele olhar misericordioso, ele acolhe aquela mulher naquele medo, naquele pavor, e só fala: Vai e não tornes a pecar”, recordou.

“Ao lado disso e pensando na questão da vida, eu fui um pouco além. Pensei o que aconteceu lá com os indígenas Yanomami, em meio à mineração em plena atividade, poluindo o rio que é a fonte de vida daquelas pessoas. Aquelas mulheres grávidas fazendo a comida, pescando peixe, tomando banho, e toda a aldeia se alimentando de coisas terríveis para saúde. Qual é a nossa ação? É muito mais fácil falar de um aborto do que ir contra a morte em massa.

Há poucos dias, o povo Kaiowá, que tem uma aldeia perto do agronegócio, está sendo expulso de sua terra e bebendo veneno, alimentando-se com muita agrotóxico. As crianças que nascerem ali que vida terão? Como nós, franciscanos e cristãos, estamos atuando em prol da vida?”, emendou.

Segundo Maria Zélia, durante muitos anos esteve no Aglomerado da Serra, a maior comunidade de Minas Gerais, já que reside ali perto. “De segunda a segunda, vi meninas de 13 e 14 anos se engravidando. Hoje, a cultura imposta pelo capitalismo é a do consumismo. Você liga a televisão e ouve músicas de baixíssimo nível, vê filmes violentos. Tudo deplorável. As meninas absorvem esse tipo de cultura. Nessa discussão sobre a vida, do começo até o fim, é uma convocação para nós, cristãos e franciscanos, respondermos: eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância”, enfatizou.

Maria Zélia diz que os jovens estão perdidos hoje no meio de tantas propostas, como o consumismo, o egoísmo, o hedonismo, o egocentrismo. “Não é culpa deles. É desta sociedade que mata as pessoas”, observou. Segundo ela, essa cultura de morte começa nos joguinhos violentos que as crianças veem. Outra preocupação que a choca é tantos jovens encantados por ideologias fascistas e nazistas, ou certas igrejas neopentecostais que oferecem a Teologia da Prosperidade, com sucesso e dinheiro. “Eu vejo a Jufra como uma luz para toda a Família Franciscana.  A Jufra tem uma proposta legal. Onde for possível, a Família Franciscana deve incentivar. É um pessoal que carrega vida e esperança”, disse.

“Nós somos chamados a fazer o que Jesus fazia: Vida, e vida em abundância. Nós, franciscanos e franciscanas, vivemos um carisma que chama a isso. Que chama ao que acho essencial: criar fraternidade. Vocês imaginam a força dos franciscanos criando fraternidade?”, perguntou. Segundo ela, esse trabalho de criar fraternidade, ilumina o mundo”, acredita, completando: “Não há franciscano sem vida em fraternidade”.


VEJA A PALESTRA COMPLETA DESTE PRIMEIRO DIA

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