[ARTIGO] Que poderemos retribuir ao Senhor?

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A gratuidade nos conduz à gratidão. É aqui o que deve nos mover, segundo a lógica de Jesus.

Por Felipe Magalhães Francisco

“Tudo que por ti vi florescer de mim
Senhor da vida
Toda essa alegria que espalhei e que senti
Trago hoje aqui
Todos estes frutos que aqui juntos vês
Senhor da vida
Eu em cada um deles e em mim
Todos teus fiéis, ponho a teus pés 

Consentistes que minha pessoa
Fosse da esperança um teu sinal
Uma prova de que a vida é boa
E de que a beleza vence o mal
Tudo que se foi de mim, mas não perdi
Senhor da vida
Os que já chorei e os que ainda estão por vir, oferto a ti” 

(Caetano Veloso) 

O Salmista, ao cantar sua ação de graças, levanta a pergunta de como poderia retribuir ao Senhor, todo o bem por Ele feito (Sl 116 [114-115],12). Sabemos que entre nós e Deus há uma distância radical, de nível de ser, que nos separa. Essa distância se viu mais estreitada com a encarnação do Filho de Deus: Jesus, como mediador entre nós e o Pai, por sua encarnação-ressurreição, liga definitivamente a divindade com a humanidade. Mas a plenitude de nossa participação na vida divina ainda está na dinâmica da espera, apesar de já vivermos em algum nível de comunhão.

Se há, pois, uma distância essencial entre Deus e nós, uma retribuição de nossa parte, pela imensa dádiva que ele nos dispensa, seria possível? Jesus rompe com toda a lógica da retribuição, tão forte em sua época, para propor uma nova base para nossa relação com Deus: a gratuidade. É por livre e gratuito amor que ele se revela, para nos salvar, isto é, para que sejamos recebidos e inseridos em sua vida-comunhão. Nesse horizonte de compreensão, nossa resposta positiva a essa oferta divina para conosco não deve se pautar na obrigação, que precisa ser retribuitiva. Um convite livre só tem sentido de ser respondido também na liberdade.

A gratuidade nos conduz à gratidão. É aqui o que deve nos mover, segundo a lógica de Jesus. Cheios da graça que nos alcança, também mediar graça. Eis a nossa gratidão! Inspiradora é a canção Ofertório, de Caetano Veloso, que é citada como epígrafe desta reflexão. O artista, uma pessoa confessadamente não religiosa, compôs tal canção para uma missa na qual foram dadas graças pela vida de sua mãe, a Dona Canô, uma mulher de sabida vida de fé. Do ponto de vista teológico, a letra é cheia de significados. De graça recebemos o dom da vida e, a partir da gratidão, somos chamados a interpretá-la.

É o que propõe a canção, ao revelar o coração humilde de quem se sabe em tudo devedor do amor e da bondade livres de Deus. Se é, pois, a vida, o dom mais admirável que tenha nos dispensado, é essa própria vida a mais genuína oblação que o possamos oferecer, em sinal de gratidão. Em gratidão à vida recebida, ela mesma, com nossa história, em seu altar, que é o seu próprio coração!


Felipe Magalhães Francisco é teólogo e articula a Editoria de Religião do portal Dom Total

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