Paz e Bem!
A história que vamos conhecer hoje, em mais um capítulo da série especial “Aconteceu na Penha”, é de 1627 e 1628. Sempre às sextas-feiras conhecemos um pouco mais sobre a tradição, a história e a expressão de fé do povo capixaba que há mais de 450 anos celebra sua padroeira com muito amor. Estamos destacando os aspectos históricos da religiosidade local, em pequenas reportagens os destaques que aconteceram na Penha.
Na última semana, conhecemos um pouco sobre o processo de canonização do Frei Pedro Palácios, fundador da devoção à Nossa Senhora das Alegrias no Convento da Penha. Além disso, conhecemos que na época (1616) o custódio Frei Vicente do Salvador instaurou, em Vitória, o processo informativo para beatificação de Frei Pedro Palácios, como Venerável Servo de Deus. Incluiu também a origem da Penha nas suas obras “Crônica da Custódia do Brasil” (1618) inédita e perdida em Portugal, e a “História do Brasil 1500 – 1627”. Reproduzimos abaixo todo o capítulo IV do 2º livro da História do Brasil para mostrar a fama do Santuário, desde os seus princípios.
É justamente o que conheceremos agora. Em 1627, Frei Vicente do Salvador, Pai da História do Brasil, descreve em sua obra prima, o Santuário da Penha.
Não se discute a importância histórica do Convento da Penha; pois, ele recorda vivamente os primórdios da nossa religiosidade, notadamente a catequese dos silvícolas e a vida eremítica modelar de Frei Palácios, o qual, durante os doze anos de sua permanência no Espírito Santo, impôs-se à admiração e veneração dos capixabas. Ademais, os mais quatro séculos e meio de existência deste templo votivo representam um conjunto ininterrupta de preces, novenas, promessas, romarias e ações de graças, desde os contemporâneos de Frei Pedro até os romeiros da atual era atômica.
A imagem do Convento da Penha gravada na imaginação dos capixabas acompanha a estes, em todas as situações importantes da vida, lembrando-lhes o poder e a intercessão infalível da Senhora da Penha quando invocada com filial confiança.
O maravilhoso panorama que se divisa do alto da Penha Sagrada parece ter sido criado expressamente para realçar o trono de Maria Santíssima e para recordar a onipotência do divino Criador, que sempre atende o pedido de sua Mãe.
Aconteceu na Penha… Em 1627, há o registro de uma descrição do Santuário de Nossa Senhora da Penha em detalhes. Um dos primeiros cronistas franciscanos a escrever sobre a Penha foi Frei Manuel da Ilha, OFM, frade português que nunca veio para o Brasil, mas, baseado em notícias e escritos de outros religiosos da custódia brasileira, compôs em 1621 a sua “Relação”. Apesar de ter aproveitado fartamente a “Crônica da Custódia do Brasil” da autoria de Frei Vicente do Salvador, o franciscano lusitano caiu vítima de vários equívocos.
“Esta ermida, edificou-a um castelhano sem ordens sacras, chamado Frei Pedro, frade dos capuchos, que cá veio com licença de seu superior, homem de vida exemplar, o qual veio ao Brasil com zelo da salvação das almas…”
Tanto o Pe. Anchieta como Frei Vicente do Salvador mencionam que a ermida ou capela tinha uma abóbada e se chamava Nossa Senhora da Penha, distinguindo-a destarte da outra ermida que Frei Pedro levantou no chamado Campinho e chamou de São Francisco.
Examinemos afinal os dados relativos à tradicional festa mariana de Vila Velha. Frei Vicente do Salvador e Frei Manuel da Ilha contam já em 1621, que Frei Palácios iniciou, em 1570 as festividades em louvor à Maria sob o título de Nossa Senhora dos Prazeres (das Alegrias), depois, sendo a festa anual de Nossa Senhora da Penha; tradicionalmente celebrada, na segunda-feira depois da Páscoa. Esta devoção é bem litúrgica; pois, cultua os mistérios gozosos e gloriosos do Rosário e da Coroa franciscana, relembrando os passos principais da vida e glória de Jesus e Maria, desde a Anunciação até a Coroação da Virgem no céu. Realmente a devoção para com os Prazeres de Nossa Senhora é antiquíssima, enriquecida que foi de indulgências plenárias pelo Papa Leão X.
A referida data da festa de Nossa Senhora dos Prazeres não é privativa do Santuário da Penha, sendo também observada em outros santuários, nomeadamente no dos Prazeres de Pernambuco. Entretanto, a festa de Nossa Senhora da Penha de França celebra-se geralmente no primeiro domingo de setembro, ao passo que os capixabas conservam a data festiva herdada de Frei Pedro Palácios.
Não há o histórico dos escritos de Frei Vicente do Salvador sobre o Convento da Penha, disponível para consulta. Mas, há um outro registro descrito no ano seguinte, pelo então chefe do governo paraguaio.
No ano de 1628, o Governador eleito do Paraguai (nomeado a 6 de fevereiro de 1625), Dom Luís de Céspedes Xeria sobe à Penha para o cumprimento de uma promessa pela salvação de um naufrágio. Ele registrou a existência de um dos mais antigos documentos históricos que assinalam a existência da Ermida de Nossa Senhora da Penha onde esteve aquele fidalgo em janeiro de 1628, deixando isto escrito em sua “Relacion de Viaje” (descrição de viagem).
Dom Luís, antes de se ajoelhar aos pés da santa abrigada na pequena Ermida, posteriormente transformada no majestoso Convento de nossos dias, passou por dias muito amargos, compensados, entretanto, por outros bem melhores que lhe vieram depois. As dificuldades e imposições colocadas para o Governador, não o desanimou. Pelo contrário, sentiu-se desafiado a deixar seu país de origem para conquistar terras com influência espanhola e portuguesa.
Céspedes era teimoso. Sofria, clamava, mas perseverava. A 18 de abril de 1626, deixava Lisboa (Portugal) e rumava para a Bahia numa das caravelas da índia e chegou a São Salvador quarenta dias depois, doente e acabado pela péssima viagem. Mas… a Bahia sempre foi a “boa terra”. Teve boa acolhida da parte do governador interino da praça, Dom Francisco de Moura; e, em breve, se restabelecia e criava alma nova.
Seis meses permaneceu em São Salvador, esperando condução para o sul. Nesse ínterim, ali chegava o novo governador geral do Brasil, Diogo Luís de Oliveira.
Para agravar a situação, a 3 de março de 1627, surgem na Baía de Todos os Santos as treze caravelas holandesas de Pieter Heyn, dominando tudo e aprisionando navios entre os quais o em que pretendia viajar D. Luís. Nesta altura, os desafios de Dom Luís eram ainda maiores.
D. Luís de Céspedes era perseverante e lutador — mas contra ele também perseveravam todas as dificuldades. Não se deixava, entretanto, dominar. A sua última cartada foi lançada. Arranjou uma canoa grande capaz de bordejar da Bahia até o Rio de Janeiro. Conseguiu tripulantes e após 20 meses de estada na então Capital do Brasil, a 11 de janeiro de 1628 deixava as suas águas.
Ao passarem pelos abrolhos, quase naufragaram, abalroando por três vezes os perigosíssimos chapeirões ali existentes, do que resultou grande alarde e desespero, não facilmente removíveis em face da ignorância dos pilotos. Foi nesses instantes de pavor que Dom Luís invocou a proteção de Nossa Senhora:
“Accudimos con lagrimas a pedir favor y misericordia Christo Nuestro Senor, pidiendo por nuestra intercessora a su Santissima Madre, a quien nos encomendamos muy deveras prometiendo todos em qualquer tierra que tocasemos yr descalssos a su santa casa; fue servida esta senora de livramos milagrosamente.”
Tradução: “Com lágrimas nos dirigimos a pedir favor e misericórdia, Cristo Nosso Senhor, pedindo a nossa intercessora sua Mãe Santíssima, a quem muito nós confiamos, prometendo a todos nós em qualquer terra que tocarmos e descalços à sua casa sagrada; por esta senhora nos livramos milagrosamente”.
A promessa foi cumprida ao chegarem em Vitória. Subiram à Ermida mais tarde transformada em Convento da Penha e ali cumpriram os seus votos. É o próprio D. Luís de Céspedes quem diz: “Tan devotos como contritos suvimos a una hermida de su ynvocacion: es Nuestra Senora de la Peña.” (Por mais piedoso que se arrependa, acrescentamos a uma ermida de sua invocação: é Nossa Senhora da Rocha [Penha]).
Tendo saído da Bahia a 11 de janeiro de 1628 e chegado ao Rio de Janeiro a 4 de fevereiro do mesmo ano, deduz-se facilmente que a visita que fizeram à Penha se verificou na segunda quinzena de janeiro do referido ano de 1628.
Fortalecido e retemperado pela fé adquirida aos pés da Santa, D. Luís prosseguiu para o Rio de Janeiro, mas antes de o fazer, dispensou os pilotos que trouxe da Bahia, substituindo-os por outros, certamente capixabas, da terra de Araribóia, do grande chefe indígena que também partindo das águas e terras espírito-santenses, tanto heroísmo demonstrou na libertação do Rio de Janeiro quando do domínio francês.
Após a passagem de Luís de Céspedes pelo Convento da Penha, em Vitória, o gráfico de seus padecimentos que havia atingido a ápices elevadíssimos, começa a decrescer, e, à sua chegada no Rio de Janeiro, no dia 4 de fevereiro de 1628 foi recebido cortês e afetuosamente pelo governador Martim Corrêa de Sá — tão cortesmente que, do Rio de Janeiro prosseguiu casado com uma filha de Gonçalo Corrêa de Sá, sobrinho do citado governador.
Alguns trechos foram extraídos do Livro dos Romeiros de 1847 e “Antologia do Convento da Penha”, ano 1974 (site morrodomoreno.com.br). O Convento da Penha, um templo histórico, tradicional e famoso 1534 a 1951 (Norbertino Bahiense)