“Quando o coração se volta para trás, quando toma uma estrada que não é a estrada justa – seja atrás, seja outra estrada, mas não vai pela estrada justa – perde a orientação, perde a bússola, rumo à qual deve seguir adiante. E um coração sem bússola é um perigo público; é um perigo para a pessoa e para os outros. E quando um coração toma essa estrada errada, é quando não ouve, é quando se deixa levar, conduzir-se pelos deuses, quando se torna idólatra.
Não ser surdos na alma
Mas nós não somos capazes de ouvir, “muitos surdos na alma”. “Também nós em algum momento nos tornamos surdos na alma, não ouvimos o Senhor”, reiterou o Papa que advertiu também para os “fogos de artifício” que nos chamam, “os falsos deuses” que nos chamam à idolatria. E esse é o perigo ao longo da estrada, rumo à terra que foi prometida a todos nós: a terra do encontro com Cristo ressuscitado.”
A graça da memória, não cair na amnésia
E “a Quaresma nos ajuda a caminhar nesta estrada”, prosseguiu o Papa recordando que “não ouvir o Senhor” e as promessas que nos fez, é perder a memória: é quando se perde “a memória das grandes coisas que o Senhor fez na nossa vida, que fez na sua Igreja, em seu povo, e nos habituamos a caminharmos nós, com nossas forças”, com a nossa autossuficiência. Portanto, Francisco exorta a iniciar a Quaresma pedindo “a graça da memoria”. Depois, retomou o discurso que Moisés dirigiu ao povo pouco antes, quando o exortou, uma vez chegado “àquela terra” que não conquistou, quando terá comido do trigo que não semeou, a recordar-se de “todo o caminho” que o Senhor lhe fez percorrer. Mas quando estamos bem, quando temos tudo ao alcance da mão, “espiritualmente seguimos bem”, há o perigo de perder “a memória do caminho”:
“O bem-estar, inclusive o bem-estar espiritual tem este perigo: o perigo de cair numa certa amnésia, uma falta de memória: estou bem assim e me esqueço daquilo que o Senhor fez em minha vida, de todas as graças que nos deu e creio que é mérito meu e sigo adiante assim. E aí o coração começa a caminhar para trás, porque não ouve a voz do próprio coração: a memória. A graça da memória.”
Não voltar atrás
Evocou, em seguida, também uma passagem da Carta aos Hebreus que parece seguir o mesmo esquema, no qual se exorta a recordar “os primeiros dias”. “Perder a memória é muito comum”, ressaltou o Pontífice: também o povo de Israel perdeu a memória, porque no perder a memória há algo de seletivo: recordo aquilo que me convém agora e não recordo algo que me ameaça.” Por exemplo, o povo recordava no deserto que Deus o havia salvado, “não podia esquecer isso”. Mas começou a lamentar-se pela falta de água e carne “e a pensar nas coisas que tinha no Egito”, como as cebolas. O Papa notou que porém se tratava de algo de “seletivo” porque “se esquece que todas essas coisas as comiam na mesa da escravidão”. Em seguida, reiterou o convite à memória que nos coloca no caminho justo. É preciso “recordar para seguir adiante; não perder a história: a história da salvação, a história da minha vida, a história de Jesus comigo”. E não parar, não voltar trás, não deixar-se levar pelos ídolos. A idolatria, efetivamente, “não é somente ir a um templo pagão e adorar uma estátua”.
“A idolatria é uma atitude do coração, quando tu preferes isso porque é mais cômodo para ti e não prefere o Senhor porque O esqueceste. No início da Quaresma nos fará bem a todos pedir a graça de custodiar a memória, custodiar a memória do Senhor inteiramente, de tuto aquilo que o Senhor fez em minha vida: como me quis bem, como me amou.” E dessa recordação, continuar seguindo adiante. E nos fará bem também repetir continuamente o conselho de Paulo a Timóteo, seu amado discípulo: ‘Recorda-te de Jesus Cristo ressuscitado dos mortos’. Repito: ‘Recorda-te de Jesus Cristo ressuscitado’, recorda-te de Jesus, Jesus que me acompanhou até agora e que me acompanhará até o momento no qual devo comparecer diante d’Ele, Jesus glorioso. O Senhor nos dê essa graça de conservar a memória.”