a alegria e a paz do Senhor Ressuscitado estejam com vocês!
O nosso seráfico Pai São Francisco compôs um salmo para o Ofício da Paixão que recitava todos os dias durante o Tempo Pascal: “Cantai ao Senhor um cântico novo, porque ele fez maravilhas… O Senhor fez conhecer a sua salvação… Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e nos alegremos nele (OP S9). O que me impressiona nesta oração é que Francisco nos chama para cantar “um canto novo”, porque “este é o dia que o Senhor fez”, o qual ainda hoje faz “conhecer a sua salvação” em um modo sempre novo.
Deixemos os nossos ambientes seguros
Este ano me chama a atenção em particular uma das leituras da Vigília Pascal, isto é, o convite do profeta Isaías: “Ah! todos que tendes sede, vinde à água. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; comprai, sem dinheiro e sem pagar, vinho e leite” (Is 55,1). Emerge de maneira crescente o fato de que nós, frades, gastamos sempre mais tempo e energia com coisas que não nos dão vida autêntica. Exatamente como prossegue o profeta: “Por que gastais dinheiro com aquilo que não é pão, e o produto do vosso trabalho com aquilo que não pode satisfazer?” (Is 54,2). Muitas vezes este desperdício acaba sacrificando nossas atenções e energias pessoais por coisas que não têm nada a ver com a nossa vida de Irmãos e Menores empenhados em praticar a partilha com os pobres de Deus e fazer com que nossa vida seja mais simples. Para sermos honestos, devemos admitir que, como muitos de nossos contemporâneos, muitos de nós tornamo-nos vítimas do imperante “paradigma técnico-econômico …” e deixamo-nos carregar “pelo turbilhão das compras e gastos supérfluos”, acabando assim por tornarmo-nos autorreferenciais e isolando-nos na própria consciência (cf Papa Francisco, Laudato si’, 203-204). Além disso, continuamos a usar a grande parte de nossos esforços em projetos que poderiam ser úteis ao povo de Deus nas décadas anteriores mas que hoje têm pouco a ver com a modalidade com a qual Deus “revela a sua salvação”.
Uma narração das primeiras fontes diz que “num dia de Páscoa, os frades prepararam no eremitério de Greccio uma mesa … com objetos brancos e de vidro” (2Cel 61). Quando Francisco chegou e viu a mesa assim minuciosamente decorada, saiu disfarçado. Depois, quando os frades já estavam acomodados à mesa, bateu à porta como um pobre mendigo, gritando: “Dai uma esmola, por amor de Deus, para um peregrino pobre e doente” (2Cel 61). A respeito disso São Boaventura comenta: “Formou-os com palavras sagradas, para que celebrassem continuamente em espírito de pobreza, passando pelo deserto do mundo como peregrinos e forasteiros e, como verdadeiros hebreus, celebrando a Páscoa do Senhor” (LM VII,9). Sim, a Páscoa nos convida a celebrar o dom que Deus hoje nos faz da vida nova, mas nós, frade menores, não podemos fazê-lo preparando as nossas mesas com os resultados alcançados no passado, que hoje não saciam mais a nossa fome, ou contentando-nos com as pseudobênçãos de uma superabundância de conforto de um mundo que está morrendo. Ao contrário, devemos nos tornar verdadeiros peregrinos, livres para encaminharmo-nos com confiança rumo ao futuro que Deus está nos preparando.
“Vamos rumo ao que está diante de nós”
Estou escrevendo esta carta no V Domingo da Quaresma. Nas leituras de hoje, Deus nos chama através do profeta Isaías: “Não recordem mais as coisas do passado… Eis que eu faço uma coisa nova” (Is 43,18). E São Paulo nos recorda a única coisa necessária: “Esquecendo aquilo que está para trás e propenso rumo àquilo que está diante de mim” (Fil 3,13). Sim, Irmãos, o Reino de Deus já está presente e ainda não, mas Jesus ressuscitado está passando pelas portas trancadas de nossas seguranças e dos nossos medos (cf Jo 20,19) e nos convida a unirmo-nos a Ele ao longo do caminho. O Senhor ressuscitado nos convida a renovar a nossa vida, a irmos com Ele que oferece a vida, e a escutar a sua voz, deixando que Deus reconstrua dentro de nós a sua visão do que significa ser homens do Evangelho, portadores de misericórdia e de reconciliação, empenhados em renovar a face da terra, seja referindo-se aos seres humanos, seja à criação, através da conversão da nossa vida pessoal e nosso estilo de vida fraterna.
A nossa vocação de Menores e de Irmãos, um chamado que começa em cada um de nós e entre nós, pode irradiar-se para todas as pessoas, tornando-se uma vibrante mensagem evangélica em um tempo de divisão, violência e de tendência a promover uma política e uma mentalidade de exclusão. Podemos nos tornar um exemplo vivo da visão que o Papa Francisco nos pede: “A atitude basilar para se auto-transcender, rompendo com a consciência isolada e a autorreferencialidade, é a raiz que possibilita todo o cuidado dos outros e do meio ambiente; e faz brotar a reação moral que considera o impacto que possa provocar cada ação e decisão pessoal fora de si mesmo. Quando somos capazes de superar o individualismo, pode-se realmente desenvolver um estilo de vida alternativo e torna-se possível uma mudança relevante na sociedade” (Laudato si’ 208).
A misericórdia começa na própria casa com o perdão recíproco
Neste ano celebramos a Páscoa no decorrer do Jubileu extraordinário da Misericórdia. O convite do profeta de “não recordar as coisas do passado” nos impõe uma atitude de perdoar e deixar de lado todas as feridas antigas. Muito frequentemente mantemos os nossos irmãos prisioneiros do passado. Alguma coisa que fizeram ou disseram e que nos ofenderam há muitos anos continua a influenciar no nosso relacionamento com eles. Se queremos realmente entrar no futuro de Deus e tornarmo-nos a verdadeira fraternidade que o mundo de hoje clama de nós, devemos deixar para trás estas feridas. Jesus ressuscitado nos dá a força de perdoar (cf Jo 20,22-23). Prestemos atenção à voz de São Francisco: “Que não haja nenhum frade no mundo, que tenha pecado tanto quanto puder pecar, que, depois que tiver visto teus olhos, nunca se retire sem a tua misericórdia, se buscar misericórdia” (CtMin 9). Sim, Irmãos, como o Papa Francisco solicita de nós: “É tempo de voltar ao essencial para assumirmos as fraquezas e as dificuldades de nossos irmãos. O perdão é uma força que ressuscita para uma vida nova e infunde a coragem para olhar o futuro com esperança” (MV, 10).
Este Ano Jubilar da Misericórdia nos impulsiona, como franciscanos, a superar todas as divisões que surgiram em nossas fraternidades durante a nossa longa história. O próximo ano, 2017, marca o V Centenário da assim chamada Bula da união, Ite Vos, que dividiu os Frades Menores em diversas congregações. O Capítulo Geral de 2015 decidiu que devemos colaborar com os Irmãos Conventuais e Capuchinhos para discernir juntos o que Deus está pedindo a nós neste tempo como Frades Menores e como colaborar para chegarmos a este objetivo. Já decidimos trabalhar juntos para instituir a única Universidade Franciscana em Roma. Este é sem dúvida um sinal de nova esperança e de vitalidade. Estamos colaborando também com a Terceira Ordem Regular (TOR) em alguns setores de comum interesse.
Ressurreição – relações novas e transformadas
A certeza que nos dá o profeta Isaías de que “comeremos o que é bom e haveremos de deleitar-nos com manjares revigorantes” (cf Is 55,2) pode ser uma imagem das relações novas e transformadas, exatamente como a ressurreição é uma promessa de novidade e de transformação. Sem esquecermos o passado, redescobrimos a fonte da nossa verdadeira identidade em Cristo e em Francisco, além da necessidade e da responsabilidade de procurar a vida e não a morte, de procurar o perdão e a misericórdia e não o castigo e a vingança, de procurar a reconciliação com os Frades de nossa Província, com a mais ampla comunidade eclesial, com toda a humanidade e com a Criação inteira. Isto é “vir à água sem dinheiro e sem nenhuma paga” (cf Is 55,1), aproximando-nos em pobreza e minoridade.
O exegeta Gerhard Lohfink escreveu: “Ser a comunidade da ressurreição significa antecipar que a toda hora o Espírito de Cristo mostrará à comunidade caminhos novos, esperar que novas portas se abram a qualquer momento, levar em conta que a cada momento o Espírito pode transformar o mal em bem, esperar que a qualquer momento o impossível torne-se possível e nunca dizer ‘mais tarde’ mas ‘agora’ (Jesus de Nazaré, 306). Irmãos, esta “hora” está aqui diante de nós! Se voltarmos à nossa vocação de Menores e Irmãos de modo autêntico, escutando o Cristo ressuscitado e deixando que a sua Palavra crie raízes dentro de nós, então a promessa de Isaías se cumprirá: “Como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, sem terem regado a terra, tornando-a fecunda e fazendo-a germinar, dando semente ao semeador e pão para ser comido …” (Is 55,10).
Feliz e Santa Páscoa a todos!
Roma, 19 de março 2016
Solenidade de São José
Frei Michael Anthony Perry, OFM
Ministro Geral e Servo