Mensagem do Ministro Geral: “O Natal de um Deus que bate à nossa porta”

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O Natal de um Deus que bate à nossa porta

Queridos irmãos e irmãs,

O Senhor que nasceu no meio de nós lhes dê a sua paz!

Por causa do seu amor infinito Deus quis assumir a nossa natureza humana com todas as implicações desta escolha. Nasceu na maior humildade de uma mulher pobre e num lugar pobre, longe de sua casa, pois seus pais estavam em viagem para cumprir as exigências administrativas impostas pelas autoridades civis daquele tempo. Ainda recém-nascido, já precisou enfrentar a condição de refugiado no Egito: Mateus é o único evangelista que narra este acontecimento através da Teologia do êxodo (cf. Mt 2,13-15). O Egito, de fato, representava o lugar de refúgio para os perseguidos ou para aqueles que se encontravam em dificuldades, vítimas de carestias ou da fome. Exemplos dessas situações são Jeroboão (cf. 1Rs 11,40) e Urias (cf. Jr 26,21), como também a família de Jacó, obrigada a abandonar a terra de Canaã que sofria tremenda seca (cf. Gn 46,8ss).

A Teologia do êxodo permeia a revelação de Jesus que se apresenta como Deus libertador, “aquele que é” (cf. Jo 8,28). Em particular, o evangelista João nos oferece esta possibilidade hermenêutica uma vez que plasma a Teologia do seu Evangelho baseando-se na revelação do próprio Deus a Moisés (cf. Ex 3,14). O Deus que se fez carne no meio do seu povo, é Aquele que continua escutando o grito dos seus filhos e filhas cuja vida é ameaçada. Na Teologia do êxodo encontramos tradições diversas que seguramente refletem acontecimentos concretos. Em cada um deles Deus está presente e é protagonista da história. Ele escuta o grito do seu povo, desce para ver de perto o seu sofrimento e o faz sair do Egito, libertando-o da escravidão (cf. Ex 20,2).

Eis porque a experiência do êxodo pode ser considerada como paradigma para as mais variadas situações de tantos povos obrigados a fugir da própria pátria para escapar das ameaças à própria vida, da fome, da violência, das perseguições, das guerras e conflitos armados, ou ainda por outros motivos graves.

Jesus, apresentado como “novo Moisés” (cf. Hb 3,1-6), é líder do povo de Deus e novo legislador (cf. Mc 12,28-34; Mt 7,12; 22,34-40; Lc 10,25-28). Mateus também faz ligação da história do povo de Israel, na qual se revela a ação concreta de Deus, com a história do “novo povo de Israel”, onde se manifesta a ação real e concreta de Jesus Cristo ressuscitado na Igreja e no mundo (cf. Mt 19,28; 28,20).

Pela narração de Lucas, Jesus nasce em Belém, em um momento histórico muito concreto, isto é, quando César Augusto era imperador de Roma e Quirino governador da Síria. Lucas diz que o Menino recém-nascido é colocado “numa manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7). Os pastores que estão por perto (cf. Lc 2,8-17) veem uma estrela que os leva até a Luz do mundo: uma estrela de esperança para os pobres, para os últimos, para os simples trabalhadores e para todos aqueles que estão nas trevas.

São Francisco também quis reviver a concretude do Natal recriando o ambiente frio, despojado de berço, de cadeiras e de portas, mas aquecido pela presença de um boi e de um asno perto da manjedoura. O Santo de Assis queria ver, tocar e contemplar o Deus que decidiu vir morar no meio dos seus filhos e filhas para oferecer a eles vida plena. E de Greccio ecoa o feliz e vibrante anúncio: toda a humanidade pode viver de verdade, pode alegrar-se e festejar com os seus queridos e com toda a criação. O nascimento de Jesus é mistério de amor, de graça e de libertação, que revelam toda força do agir de Deus no mundo.

O Beato João Duns Scoto ensina através de sua reflexão teológica que a razão da encarnação do Filho de Deus não pode ser simplesmente o pecado da humanidade. Pensar assim correria o risco de limitar a vontade do Criador, que consiste no desejo de amar os seus filhos e filhas e de entrar em comunhão com eles (cf. Reportata Parisiensia, in III Sent.). Eis porque Jesus vem apresentado como “Summum Opus Dei”, a plena manifestação do amor trinitário para com o ser humano. A ação de Jesus, de fato, revelou um amor divino incondicionado e aberto a todos, sinal da vontade salvadora universal de Deus.

Apesar de tudo isso, o Salvador do mundo chegou no meio do seu povo, mas não foi acolhido, a não ser por Maria, José, os pastores e os animais. O fato de ser obrigado a deixar a sua pátria é um primeiro indício de todas as adversidades que deveria enfrentar em seguida. A narração de Mateus (cf. Mt 2,13-15) identifica os representantes do poder político como os promotores das ameaças contra Jesus. Todos nós sabemos, porém, que o político da vez é apoiado por grupos de poder quando não por toda a sociedade. Tais ameaças a Jesus nos falam de indiferença, de medos infundados e de muitas formas de egoísmo que se traduzem numa necessidade de gerar inimigos a serem combatidos.

Em nosso tempo, tantas crianças são obrigadas a fugir de seus países onde são desrespeitados os seus sacrossantos direitos a una vida sadia, a uma família reunida, a uma educação de qualidade, a crescer em uma sociedade capaz de acolher, de oferecer e de exigir respeito, além de criar oportunidades para todos. Todas as crianças deveriam nascer e crescer em sociedades capazes de viver o amor, a solidariedade, a corresponsabilidade, a justiça e a paz. Para que isto seja possível é necessário um olhar profundo cheio de humanidade. Todos nós somos chamados a ver as pessoas como realmente são: “imagem e semelhança” de Deus que nos criou “por seu verdadeiro e santo amor” (cf. RnB 23,1-3).

Infelizmente, muitas sociedades no mundo de hoje não são capazes de ver assim. Ao contrário, aumenta sempre a indiferença em relação ao outro (cf. EG 54), disfarçada de discursos vazios e totalmente privados de empenho real. A própria
humanidade que anseia pelo progresso acaba esquecendo-se do ser humano, ou na melhor hipótese, coloca-o em segundo plano. A defesa absoluta e exclusiva dos próprios interesses e vantagens, seja por parte de grupos sociais, seja por parte de indivíduos, faz aumentar e crescer os conflitos e faz convergir a uma só conclusão que podemos explicitar assim: “Eu sou do bem e o outro é do mal; eu sou amigo e o outro é inimigo; eu vivo o amor e o outro vive o ódio”.

De fato, muitos povos e nações se fecham em si mesmas e enclausuram-se nos próprios muros para protegerem-se de qualquer suposto inimigo. Esta atitude, praticada por causa de um senso de proteção, conduz ao isolamento e impede a promoção do desenvolvimento de cada membro, não proporcionando a todos possibilidades de usufruir das oportunidades de desenvolvimento e obstrui o caminho para assumir as próprias responsabilidades em relação ao respeito mútuo (cf. EG 186-192). Por outro lado, poucos governantes e sociedades se recordam do que aconteceu no passado com os seus próprios conterrâneos, obrigados a migrar para fugir de situações de violência, fome, guerras e conflitos internos. A maioria, ao contrário, tende a fechar as fronteiras para não deixar passar as pessoas que estão fugindo e migrando na esperança de encontrar uma nova possibilidade de viver, de matar a fome e assim poder recomeçar a viver com a necessária e devida dignidade.

Infelizmente, com muita dor temos que escutar de nossos governantes, ou de seus representantes, discursos nos quais os migrantes e refugiados são considerados fonte de ameaças, ladrões, marginais, inimigos ou terroristas; às vezes, são até vergonhosamente comparados a animais. Está claro que isto pode fomentar o medo do outro e do diferente, e acender a pólvora da raiva que depois se transforma em ódio, pois o outro vem incomodar-nos em nossa “zona de conforto”. Na realidade, tudo isso é sinal claro de que nos encontramos diante de uma sociedade “em crise”, como muitos pensadores contemporâneos defendem. O que me assusta, além da desumanidade destes comportamentos, é o fato de que a maioria das pessoas fica em silêncio diante de tudo isso, tornando-se cúmplice; ou pior ainda, às vezes alguns chegam a aplaudir os próprios governantes e a votar em tais representantes; e estes governantes tornam-se fontes de inspiração e exemplos para outros. Muitas vezes os meios de comunicação enfatizam tudo isso e quase sempre a verdade acaba sendo escondida, exatamente como muitos políticos querem.

Entre as graves incoerências dos países tidos como desenvolvidos, que fecham as suas fronteiras aos migrantes e refugiados, está o silêncio ou a cumplicidade em relação à indústria armamentista. Mesmo sabendo que milhões de pessoas, entre as quais numerosas crianças, devem fugir por causa dos conflitos armados, continuam permitindo ou até favorecendo a produção e a exportação de armas.

Queridos irmãos e irmãs, é tempo de dar uma resposta humana, cristã e franciscana à situação dos migrantes e refugiados de hoje. Talvez precisamos perguntarmo-nos se de fato sabemos o que significa viver anos e anos sem esperança em um campo de refugiados (como acontece no Quênia, no Sudão do Sul e outros lugares) e o que significa esbarrar em um muro que impede o caminho, ou em uma cerca de arame eletrizada que denuncia a crueldade e a impiedade da exclusão, da indiferença e da autorreferencialidade.

Não nos esqueçamos do que o Papa Francisco disse durante a sua visita a Lampedusa: “A globalização da indiferença torna-nos a todos «inominados», responsáveis sem nome nem rosto. «Adão, onde estás?» e «onde está o teu irmão?» são as duas perguntas que Deus coloca no início da história da humanidade e dirige também a todos os homens do nosso tempo, incluindo nós próprios. […] Herodes semeou morte (cf. Mt 2,16) para defender o seu bem-estar, a sua própria bola de sabão. E isto continua a repetir-se… Peçamos ao Senhor que apague também o que resta de Herodes no nosso coração; peçamos ao Senhor a graça de chorar pela nossa indiferença, de chorar pela crueldade que há no mundo, em nós, incluindo aqueles que, no anonimato, tomam decisões socioeconômicas que abrem a estrada aos dramas como este…”

Por fim, quero recordar o que foi reforçado pelo Conselho Plenário da Ordem 2018: “Como seres humanos e como franciscanos somos profundamente tocados e envolvidos pelas esperanças, pelas ânsias e pelos sofrimentos de tantos migrantes e refugiados. Segundo o exemplo de Cristo e no espírito de São Francisco, que nos convida a estarmos alegres quando vivemos «entre pessoas de pouca conta e desprezadas, entre os pobres e fracos, entre enfermos e leprosos e entre os que mendigam ao longo das estradas» (RnB 9, 2), sabemos que devemos acolhê-los e recebê-los com gentileza e generosidade” (CPO 2018, 119).

Jesus, nascido em Belém, foi obrigado a fugir e migrar. Hoje Ele está presente em cada migrante e em cada refugiado: é Ele que ainda bate com insistência à porta de nossas sociedades tidas como cristãs, ou pelo menos de cultura cristã. O Menino Jesus nos mostra o caminho que pode levar a um futuro de paz, isto é, de acolhida, de diálogo e de abertura recíproca que podem nos enriquecer mutuamente.

O Deus, que acompanhou o seu povo no êxodo, acompanha agora os migrantes e os refugiados na busca de proteção e liberdade. A mensagem do Natal nos convida à abertura de nossos corações e de nossas casas para os nossos irmãos e irmãs que se encontram longe de seus países, oferecendo a eles proximidade e solidariedade. A mensagem de Natal nos convida a refutar a atitude de rechaçar alguém por medo ou ódio.

O Salvador, que se fez um de nós, ilumine a estrada daqueles que são obrigados a migrar e nos torne felizes em contemplar o seu rosto nos irmãos e nas irmãs que sofrem, choram e desejam uma vida mais humana!

Feliz Natal!

Roma, 12 de dezembro de 2018
Festa de Nossa Senhora de Guadalupe

Frei Michael A. Perry, OFM
Ministro Geral e Servo

Imagem: Fuga para o Egito, quadro presente na Casa de Formação Santo Antônio, Langata, Quênia.

Fonte: Portal franciscanos.org.br

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