Moacir Beggo
Vila Velha (ES) – Com indignação pelo descaso com que vem sendo tratada a tragédia que devastou a bacia do Rio Doce, cinco meses depois do acidente, Pe. Kelder José Figueira Brandão, pároco da Paróquia São Pedro Apóstolo, presidiu a Celebração Eucarística das Pastorais Sociais da Arquidiocese de Vitória nesta segunda-feira, 4 de abril, festa de Nossa Senhora da Penha.
Na sua homilia, destacou a vergonha que vem marcando este caso. “O cinismo das empresas responsáveis por este crime que ceifou a vida de 19 pessoas, destruiu uma cidade e feriu de morte a biodiversidade da maior bacia hidrográfica da região sudeste e a forma como o poder público tem defendido os interesses destas empresas, abandonando à própria sorte os atingidos, é um pecado grave que brada ao Céu”, disse.
“Que vergonha e irresponsabilidade, a mais alta autoridade municipal de Colatina tomar água contaminada e incentivar a população do município a fazer o mesmo sem que haja um laudo definitivo sobre a potabilidade da água!
Que vergonha os governos do Espírito Santo, Minas Gerais e Governo Federal fazerem um acordo com as empresas criminosas sem, sequer ouvir os atingidos!
Que vergonha a procuradoria geral do Estado do Espírito Santo dizer que não possui a redação final do acordo bilionário assinado com as empresas, quando o Governo de Minas Gerais publicou o acordo em seu site!
Que vergonha o braço forte e armado do Estado ser utilizado para reprimir a população de Colatina que ficou sem abastecimento de água!
Que vergonha as empresas dizerem que a contaminação dos peixes com alto índice de metais pesados é natural! Os limites da vergonha e da decência têm sido agredidos e transgredidos todos os dias para defender os interesses dos poderosos, vitimando o povo de Deus”, denunciou Pe. Kelder.
Pe. Kelder também abordou o momento difícil porque passa o país e disse que o combate à corrupção é tarefa diária. “Ele exige de nós equilíbrio, coragem e determinação, pois ela está presente em todos os níveis institucionais e pessoais. Mas é importante lembrar que não se combate corrupção com corrupção, o verdadeiro combate à corrupção respeita os princípios da democracia, a liberdade e os direitos de todos os cidadãos e não se deixa instrumentalizar ideologicamente”, ensinou.
CONFIRA NA ÍNTEGRA A HOMILIA DE PE. KELDER
Maria, Mãe e Porta da Misericórdia!
Nesta manhã, reunimo-nos junto a Nossa Senhora da Penha, Senhora das Alegrias, Mãe e Porta da Misericórdia Divina, que em Cristo foi abundantemente derramada sobre a humanidade. Ao proclamar o ano de 2016 como o Ano da Misericórdia, o Papa Francisco afirma:
“Escolhida para ser a Mãe do Filho de Deus, Maria foi preparada, desde sempre, pelo amor do Pai, para ser a Arca da Aliança entre Deus e os homens. Guardou, no seu coração, a misericórdia divina em perfeita sintonia com seu Filho Jesus. O seu cântico de louvor, no limiar da casa de Isabel, foi dedicado à misericórdia que se estende de ‘geração em geração’’’.
Durante a oitava da Páscoa, a Arquidiocese de Vitória se alegra com a Mãe do Ressuscitado. Se grande foi a dor de Maria ao ver seu filho ser condenado injustamente, humilhado e ultrajado pelas ruas de Jerusalém, escarnecido e crucificado no meio de criminosos, infinitamente grande foi a sua alegria quando suas amigas lhe disseram: seu Filho não está no túmulo! Ele ressuscitou! A morte não o corrompeu! A vida foi mais forte!
Celebrando as alegrias de Nossa Senhora, a Igreja retoma o protagonismo das mulheres na história do povo de Deus e da Nova Humanidade que surge com o Ressuscitado.
Hoje, a liturgia exalta a coragem das mulheres que lutam pela liberdade e vida de seu povo. Na primeira leitura ouvimos que quando, jovem, Judite decepou a cabeça de Holofernes, general do exército Assírio que estava prestes a invadir Israel. Já o salmo exalta a sutileza da rainha Ester que seduziu o rei assírio, Assuero, manipulando-o para que ele libertasse seu povo que se encontrava cativo. Os livros de Judite e de Ester não são livros históricos, mas eles expressam a resistência do povo diante das dominações estrangeiras e “da política que une transformações locais e nacionalistas a uma política global e mundial, onde a luta pela justiça ganhe espaços e os oprimidos da terra recuperem a esperança de viver. É assim que se torna possível uma sociedade alternativa onde reinem a justiça, a liberdade e a partilha”. (Bíblia Pastoral, pg. 561)
A História do Brasil é povoada por mulheres que foram incansáveis na luta pela liberdade e emancipação. Mulheres destemidas, de coração valente como Maria Quitéria de Jesus, Maria Ortiz, Anita Garibaldi, Nizia Floresta Augusta, Maria Firmina dos Reis, Chiquinha Gonzaga, Maria Amélia de Queiroz, Olga Benário Prestes, Rute Cardoso, Tereza Cruvinel, Margarida Maria, Ana Caracote, Rose Marie Muraro, Graça Narcot, Maria Clara, Dilma Roussef e tantas outras mulheres que enfrentaram e enfrentam a guerra, o poder instituído, os grilhões das ditaduras e os mais diversos tipos de torturas e preconceitos pela vida, liberdade e dignidade do povo.
Também, a História da Igreja no Brasil está repleta de mulheres que consumiram a vida pela vida e dignidade do povo: Irmã Paulina, Irmã Dulce, Zilda Arns, Irmã Cleusa Roldi, Nhá Chica, Beata Maria de Araújo, Irmã Doroti, estes são apenas alguns nomes dentre tantos nomes de leigas e religiosas que dão vida e dão a vida à Igreja e ao povo.
Vocês mulheres, que animam e coordenam as Pastorais Sociais da Arquidiocese, cuidando das crianças e adolescentes em risco social, dos enfermos nos leitos e corredores dos hospitais, dos encarcerados desprezados nos presídios, dos toxicodependentes, dos migrantes e sem teto que perambulam pelas ruas, discriminados por todos, dos idosos abandonados, das crianças e pais soropositivos e de toda “criação que geme em dores de parto”, vocês são o rosto misericordioso de Deus e as mãos ternas da Igreja que socorre e ampara os seus escolhidos.
Escrevendo aos Gálatas, São Paulo realça o protagonismo de uma mulher singular, no Plano da Salvação, Maria: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e foi submetido a uma Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção.”
Foi da carne e do sangue de uma mulher, foi nas entranhas de uma jovenzinha pobre, que morava na periferia de Jerusalém, foi no ventre de Maria, que a Palavra de Deus “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,10). Maria é a Mãe do Filho de Deus e acompanhou todos os momentos da tragédia criminosa que levou Seu Filho à morte.
A morte de cruz é uma grande tragédia que demonstra até onde a violência e a crueldade humana podem chegar. A morte de Jesus foi uma tragédia criminosa motivada pela inveja e pela ambição das autoridades judaicas e romanas. O corpo crucificado de Jesus é carne da carne e sangue do sangue de Maria e, de certa forma, foi, também, o sangue de Maria que jorrou na cruz.
Amanhã, dia 05 de Abril, completará cinco meses de outra tragédia criminosa motivada pela ganância, ambição e irresponsabilidade que vitimou tantas outras mulheres e seus filhos: o rompimento da barragem de rejeitos tóxicos que aconteceu no dia 05 de novembro de 2015, em Mariana por irresponsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billington. Essa tragédia demonstra o que a ambição desmedida dos donos destas empresas, associada à corrupção, omissão e conivência dos governos do Espírito Santo, Minas Gerais e Governo Federal podem chegar. Cinco meses após este que é o maior crime ambiental do Brasil, os rejeitos tóxicos ainda escoam pela Bacia do Rio Doce e chegam até o oceano.
O cinismo das empresas responsáveis por este crime que ceifou a vida de 19 pessoas, destruiu uma cidade e feriu de morte a biodiversidade da maior bacia hidrográfica da região sudeste e a forma como o poder público tem defendido os interesses destas empresas, abandonando à própria sorte os atingidos, é um pecado grave que brada ao Céu.
Que vergonha e irresponsabilidade, a mais alta autoridade municipal de Colatina tomar água contaminada e incentivar a população do município a fazer o mesmo sem que haja um laudo definitivo sobre a potabilidade da água!
Que vergonha os governos do Espírito Santo, Minas Gerais e Governo Federal fazerem um acordo com as empresas criminosas sem, sequer ouvir os atingidos!
Que vergonha a procuradoria geral do Estado do Espírito Santo dizer que não possui a redação final do acordo bilionário assinado com as empresas, quando o Governo de Minas Gerais publicou o acordo em seu site!
Que vergonha o braço forte e armado do Estado ser utilizado para reprimir a população de Colatina que ficou sem abastecimento de água!
Que vergonha as empresas dizerem que a contaminação dos peixes com alto índice de metais pesados é natural!
Os limites da vergonha e da decência têm sido agredidos e transgredidos todos os dias para defender os interesses dos poderosos, vitimando o povo de Deus.
Mas o Evangelho nos anima a não perdermos a esperança ao descrever de forma bonita o encontro entre Isabel e Maria, duas mulheres que encarnam dois momentos da história do povo de Deus. Dois momentos históricos distintos, mas que se complementam e que são marcados pela fidelidade das mulheres ao projeto de Deus.
Isabel encarna o povo da antiga aliança que, mantendo-se fiel a Deus, vivendo com simplicidade, honestidade, piedade e fé consegue realizar coisas impossíveis. Ela já estava com a idade avançada quando concebeu.
Maria, uma jovem pobre de Nazaré, temente a Deus, fiel às suas tradições, disposta a ser desposada por José é o prelúdio da nova humanidade incorruptível por ser fiel e acreditar em Deus, quando aceita o desafio de se tornar a Mãe do Filho de Deus. Quanta coragem, determinação e ousadia encontram-se na atitude de Maria!
Assim que Maria chega à casa de Isabel, algo de inusitado acontece: a criança que Isabel estava gestando pulou de alegria em seu ventre. Isabel e seu filho reconhecem que Maria é a geradora do Messias tão aguardado pelo povo da Antiga Aliança. Maria, por sua vez, acolhe com simplicidade a saudação de Isabel e bendiz a Deus por todas as coisas boas e belas que ele realizou pelo seu povo. Ela retoma a mais antiga e profunda teologia espiritual das escrituras sagradas e exalta a misericórdia divina que vem ao encontro dos pobres e pequeninos.
O canto atribuído a Maria é o canto dos pobres e sofredores que colocam em Deus sua esperança porque sabem, pois aprenderam com avida, que o poder exercido sem respeito, temor e caridade se corrompe e promove o mal.
Na bula Rosto da Misericórdia o Papa Francisco diz que a corrupção
“É um mal que se esconde nos gestos diários para se estender depois aos escândalos públicos. A corrupção é uma contumácia do pecado que pretende substituir Deus com a ilusão do dinheiro como forma de poder. É uma obra das trevas, alimentada pela suspeita e a intriga. Corruptio optimi pessima: dizia, com razão, São Gregório Magno, querendo indicar que ninguém pode sentir-se imune desta tentação. Para erradicá-la da vida pessoal e social são necessárias prudência, vigilância, lealdade, transparência, juntamente com a coragem da denúncia. Se não se combate abertamente, mais cedo ou mais tarde torna-nos cúmplices e destrói-nos a vida.”
Recentemente, pela primeira vez, a população brasileira elegeu a corrupção como o maior desafio a ser enfrentado pela sociedade, porém, a corrupção está presente na história da humanidade desde o início da criação e, na história do Brasil, desde que os portugueses chegaram aqui, trazendo quinquilharias e bugigangas para corromper os nativos. Não podemos permitir que ela, esta “praga putrefata” tire a esperança e a alegria dos pobres, alimentando a pobreza e as desigualdades sociais, como alerta o Papa Francisco.
É ela que não permite que as desumanidades cometidas com os negros e índios ao longo da história do Brasil sejam reparadas por políticas de igualdade racial!
É ela que não permite que os filhos e filhas das empregadas domésticas tenham acesso ao ensino superior, como os filhos dos patrões!
É ela que não permite que as empregadas domésticas tenham direitos trabalhistas assegurados!
É ela que não permite que os meninos e meninas das periferias frequentem os templos do consumo, os shoppings, da mesma forma que os filhos da classe média!
É ela que não permite que as mulheres que sofrem os mais diversos tipos de abuso e violência doméstica tenham seus direitos respeitados pelas leis específicas de proteção!
É ela que não permite que todos tenham trabalho e moradia e que as minorias sociais sejam respeitadas!
O combate à corrupção é tarefa diária que exige de nós equilíbrio, coragem e determinação, pois ela está presente em todos os níveis institucionais e pessoais. Mas é importante lembrar que não se combate corrupção com corrupção, o verdadeiro combate à corrupção respeita os princípios da democracia, a liberdade e os direitos de todos os cidadãos e não se deixa instrumentalizar ideologicamente.
É importante lembrar também, que nos momentos das crises institucionais e pessoais precisamos ter coragem como teve Maria porque, como diz Guimarães Rosa:
“O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.”
Guimarães Rosa
Na manhã de hoje, imploremos à Mãe do Senhor que nos abra as portas da misericórdia para que, diante de tantos desafios e dos graves problemas políticos, econômicos e ecológicos, presentes no Brasil, sejamos corajosos e coerentes com a nossa fé, mantendo firme a esperança, a solicitude e a concórdia, contando sempre com a sua inspiração e proteção maternal.