3º dia do retiro dos Frades do Convento na experiência da pandemia

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Paz e Bem.

A Fraternidade Franciscana do Convento da Penha iniciou no começo da semana um retiro de reflexão da experiência da pandemia. “Ressuscitou ao Terceiro Dia“, trata-se de uma Leitura Bíblico-Espiritual da Experiência da Pandemia, elaborada pela Conferência Episcopal Italiana (CEI).

A proposta apresenta temas das tristezas e as angústias dos homens de hoje com as inquietudes dos discípulos no tempo de Jesus. Junto a isso, reflexões do Santo Padre em tempos de pandemia. O cume dos momentos celebrativos e de reflexão é a partilha do caminho criativo da “Esperança do Domingo”.

Vamos refletir, diariamente, aqui no site do Convento os temas que os Frades meditam no retiro.

III – TERCEIRO TEMA DO RETIRO 

A Esperança do Domingo 

«Ele ressuscitou… e apareceu» (1Cor 15,5). O anúncio do “terceiro dia”, lançado por São Paulo no ‘kérygma’ na Carta aos Coríntios, ressoa nos hinos e narrações, ao longo de todo o Novo Testamento: as assim ditas “aparições” são experiências únicas, capazes de renovar em profundidade a vida. Atravessando a morte, Jesus mudou, de fato, a direção da história. Não se trata de privilégio exclusivamente seu: ele ressuscitou como «primícias daqueles que morreram» (1Cor 15,20), como «primogênito dos mortos» (Ap 1,5), como o primeiro de todos, porque havia escancarado o sepulcro de cada um de nós.

Jesus ressurge somente ao terceiro dia, quando a morte já parecia tê-lo engolido para sempre, quando a pedra parecia tê-lo inumado definitivamente. Somente ao terceiro dia, porque a ressurreição é verdadeira e credível, quando abraça a morte e a sepultura: o corpo de Jesus ressuscitado é plenamente “transfigurado”, porque antes havia aceito de ser completamente “desfigurado”. Sua glória resplende porque passou por meio de uma solidariedade plena com os homens: recolheu todo o humano, também nos seus aspectos mais horríveis.

A pandemia colocou à prova o anúncio da esperança cristã, a “beata esperança” da qual fala a Liturgia. Talvez tenha, também, desvelado os limites de uma pregação muito abstrata sobre a vida eterna, apressadamente preocupada, quando não simplesmente silente, para enviar ao lado de lá, sem parar, o tempo justo no Gólgota e no sepulcro.

Não obstante as tentativas de renovar o anúncio da esperança cristã (cf. Bento XVI, Spe Salvi), ficamos ancorados à concepção, segundo a qual, a imortalidade e a ressurreição são temas do “pós”: dizem respeito somente àquilo que seremos depois da morte. Na cultura ocidental temas, como o fim e outros foram, em boa parte, removidos. A morte, embaraçosa e fastidiosa, sofreu duas tentativas de neutralização: com o silêncio ou, ao oposto, com a espetacularização. A vida eterna, com todos os seus aspectos – juízo, paraíso, purgatório, inferno, ressurreição – é banalizada ou relegada à prateleira da evocação simbólica: duas tentativas de excluí-la do horizonte terreno, das coisas humanas, sobre as quais vale a pena fixar-se.

Para nós, cristãos, é, sim, uma questão de linguagem, mas é sobretudo questão de experiência e testemunho. A linguagem deve ser, certamente, atualizada, não somente ao nível teológico, mas também pela práxis pastoral e pela pregação; mas é, sobretudo, necessário saber colher os sinais da vida eterna dentro da vida terrena de cada dia. O Evangelho de João, com frequência, anuncia a vida eterna e a ressurreição ao presente, por exemplo com as palavras lapidárias de Jesus a Marta: «Eu sou a ressurreição e a vida» (cf. Jo 11,25). Quem caminha em direção a um objetivo desejável, aceita também as fadigas do percurso, sem perder o ânimo; quem caminha na esperança da vida eterna, também encontra sinais de eternidade no gesto de dar um copo de água a um pequeno (cf. Mt 10,42). Evangelho na mão, o formulário do exame final será muito simples: «Deste-me assistência quando estava com fome e sede, nu e pobre, era estrangeiro, doente e encarcerado?» (cf. Mt 25,31-46). Definitivamente, «no anoitecer da vida, seremos julgados sobre o amor» (São João da Cruz).

O anúncio da esperança cristã (Rm 5,5) é totalmente outro do que uma alternativa à esperança humana: tê-la, às vezes, apresentado como coleção de verdades abstratas, desligadas da existência terrena e de suas expectativas, serviu de pretexto para a acusação de alienação, ilusão ou fantasia compensatória. A escatologia cristã é, na realidade, uma antropologia que pede plenitude, uma caridade que inicia a tomar corpo no presente e se orienta para sua realização. Sem esse horizonte, cada germe de amor, cada projeto, cada desejo e sonho, inexoravelmente, se quebraria: nossa vida sobre a terra seria, verdadeiramente, um engano, se fosse suficiente um vírus ou terremoto, uma distração no carro ou um momento de desespero, para que tudo termine, ad aeternum.

A esperança cristã se funda sobre a experiência que a comunidade crente faz do Ressuscitado. Ainda, depois de oito dias da ressurreição de Jesus, de fato, os discípulos se encontravam no Cenáculo, numa casa, a portas fechadas (cf. Jo 20,19). Possuíam a percepção angustiante dos riscos que correm fora daquele ambiente; que agora sentem como reconfortante, mas que, a longo prazo, sabem ser muito preocupante. O Ressuscitado encontra-os no ambiente fechado, no qual se haviam refugiado: o encontro acontece, antes de tudo, no primeiro dia depois do ‘shabbat’, isto é, o primeiro dia de trabalho, depois daquele do descanso e da festa. O Ressuscitado vem para ativar processos de vida evangélica no quotidiano dos discípulos.

Não se diz por quanto tempo tenha se ocupado com os discípulos: pode-se presumir que o tenha feito pelo tempo necessário para tranquilizá-los, para dar-lhes uma catequese sobre os mistérios da fé e para motivá-los a um novo estilo de vida. Se, de uma parte, o trauma da morte violenta de Jesus tinha desorientado os discípulos, levando-os a fechar-se sobre si mesmos; da outra parte, tinha, paradoxalmente, fomentado questões como aquela de Tomé – «Se não vir os sinais dos pregos em suas mãos, se não colocar meu dedo no sinal dos pregos e se não colocar minha mão no seu lado, não acreditarei» (Jo 20,25) – que encontram agora resposta no Ressuscitado.

O evento da ressurreição de Jesus coloca nosso desejo de vida num horizonte de possibilidade real. Sua ressurreição comporta a definitiva transfiguração do corpo, o ingresso da carne na dimensão divina. Seu corpo terreno foi investido pelo Espírito e glorificado, antecipando a ressurreição final de cada um de nós: “A sua ressurreição não é algo do passado; contém uma força de vida que penetrou o mundo. Onde parecia que tudo morrera, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da ressurreição. É uma força sem igual. É verdade que, muitas vezes, parece que Deus não existe: vemos injustiças, maldades, indiferenças e crueldades que não cedem. Mas, também é certo que, no meio da obscuridade, sempre começa a desabrochar algo novo que, mais cedo ou mais tarde, produz fruto. Num campo arrasado, volta a aparecer a vida, tenaz e invencível. Haverá muitas coisas más, mas o bem sempre tende a reaparecer e a se espalhar. Cada dia, no mundo, renasce a beleza, que ressuscita, transformada através dos dramas da história. Os valores tendem sempre a reaparecer sob novas formas e, na realidade, o ser humano renasceu muitas vezes de situações que pareciam irreversíveis. Essa é a força da ressurreição, e cada evangelizador é instrumento deste dinamismo” (Evangelii Gaudium, n. 276).

Por um Caminho Criativo 

Uma leitura pascal da experiência da pandemia não pode projetar o simples retorno à situação anterior, desejando retomar o arado lá onde fomos forçados a deixá-lo. A experiência da Sexta-Feira e do Sábado – a permanência sob a cruz e no sepulcro – não pode mais ser vivida pelos cristãos como parênteses a ser fechado o mais rápido possível: deve, muito mais, tornar-se parénesi, isto é, uma exortação, um convite para madurar uma existência diferente. Ressoam ainda as palavras do Papa Francisco: «A pastoral, em chave missionária, exige o abandono deste cômodo critério pastoral: do «fez-se sempre assim». Convido todos a ser ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades» (Evangelii Gaudium, n. 33).

A cruz e o sepulcro podem tornar-se cátedras que ensinem todos a mudar, a se converter, a emprestar ouvidos e coração aos dramas causados pela injustiça e pela violência, a encontrar coragem de colocar gestos divinos nas relações humanas: paz, equidade, mansidão, caridade. São estes os germens de ressurreição, os lampejos do Domingo, que tornam concretos e credíveis o anúncio da vida eterna.

Se tivermos aprendido que tudo é dom, se disto surgir novo estilo pessoal e comunitário, que renuncia à queixa e à arrogância e adota a partilha, o agradecimento e o louvor, então a pandemia nos terá ensinado algo importante. Nós termos vivido, lido e elaborado a pandemia, escutando o Espírito, participando do mistério da Páscoa de Jesus, Crucificado e Ressuscitado.

Vamos começar novamente, então, como comunidade eclesial, nos passos do homem de nosso tempo, animados pela ternura e compreensão de uma esperança que não decepciona.

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