O mês de Maria

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Maio é um mês intenso: das noivas, das mães, das temperaturas amenas e dos jardins floridos. É o mês em que o ar é fresco e convive com o sol em perfeita harmonia. O sol não é sufocante e apenas esquenta a pele e acaricia o rosto mostrando sua presença reconfortante.

Porém, mais que tudo e antes de tudo, maio é o mês de Maria. A judia fiel Maria de Nazaré, mãe de Jesus, preside esses trinta e um dias e, ao longo deles, é celebrada, venerada e cantada em todos os tons por seus filhos que não esmorecem no amor e carinho que por ela experimentam.

Maria é, sem dúvida, a rainha de maio. No colégio em que estudei, as irmãs colocavam em cada uma de nós uma fita branca larga com uma medalha. Era a fita de Nossa Senhora. E cada uma de nós ia recebendo a fita ao longo dos dias do mês de Maria junto com uma grande responsabilidade: a de ser dignas filhas desta que era mãe de Deus e nossa.

Qual a criança católica que já não sonhou em ser anjinho de procissão? É lindo ver o carinho na preparação da procissão solene do dia 31 de maio e como as crianças, felizes, cantam e rezam ao redor da grande homenageada: Maria. Nossos países latinos são inegavelmente impregnados pelo culto a essa que supera todos os santos porque de seu ventre nasceu aquele que seria o Salvador do mundo e da humanidade, Jesus, o filho de Deus, o Cristo Redentor.

Na história do Ocidente cristão e muito especialmente na história do “continente cristão” que seria a América Latina, Maria sempre teve um lugar protagônico. Sua figura foi eminentemente ativa em toda a história latino-americana após a colonização e desde o início desta. E mesmo se criticamos o procedimento dos colonizadores espanhóis e portugueses por seus métodos desrespeitosos e truculentos para com os povos originários do sul da América é imperativo igualmente reconhecer sua fé profunda e fervorosa devoção à Virgem Maria.

Trazida ao novo mundo pelos portugueses e espanhóis, Maria foi chamada “A Conquistadora”. Este título é significativo, porque com ele, Maria se incorpora à totalidade da empreitada de conquista espiritual ou reconquista que os missionários pretendiam realizar no Novo Mundo. Esta invocação está carregada de ambiguidades, gerando uma visão de Maria igualmente ambígua sobretudo frente aos indígenas, que se sentiram agredidos e explorados pelos colonizadores, e frente aos africanos que aqui chegaram como escravos e foram cruelmente oprimidos pela herança colonial personalizada nos novos organizadores da economia e do trabalho.

Juntamente com isso, essa visão de Maria como Conquistadora e intercessora do projeto colonial teve grande impacto na vida das mulheres indígenas e africanas, que tiveram de sofrer a colonização e a “mestiçagem” em seus próprios corpos e descendência. E a devoção a Maria, como única mulher poderosa e conquistadora, a quem se prestava culto, confirmava a opressão das outras mulheres que jamais conseguiriam imitá-la em sua virgindade maternal ou sua maternidade virginal.

O Concílio Vaticano II inaugurou uma nova visão de Maria, libertadora e não mais conquistadora. Na leitura da Bíblia, pode-se encontrar uma Maria enraizada na história e também modelo de fé. Tal como é encontrada nos Evangelhos, como membro ativo e construtora do Reino, distante e diferente da Maria que legitimou a violência e a guerra contra os povos originários do continente e que protegeu os conquistadores em seu intento de “evangelizar” a América, mesmo pagando o preço do sangue de muitas gerações de indígenas e afrodescendentes.

Maria é aquela que tem maior intimidade com o povo. É aquela para quem os pobres podem fazer confidências e contar segredos. É capaz de escutar e guardar tudo em seu coração. Caminha com os pobres através das duras sendas da vida nas áreas pobres do continente. Compreende os problemas das mulheres, mesmo os mais íntimos, e não se escandaliza com coisa alguma.

Em Maria está presente a dimensão maternal muito valorizada pelo povo e também pela igreja católica. A maternidade a torna mais próxima do povo. Para os pobres na América Latina, a vida é uma luta tão dura que a relação com Maria – que é terna e misericordiosa, mas ao mesmo tempo poderosa e gloriosa – desenvolve-se no nível de suas necessidades básicas. Eles creem firmemente que Maria os compreende e pode ajudá-los quando sofrem fome, quando não têm como cuidar e curar seus filhos doentes e vulneráveis. Ela está ao lado de todas as mulheres no momento do parto e do alumbramento. Ajuda quando o trabalho falta, quando os campos não produzem, quando o marido foi embora com outra mulher ou é alcoólatra e violento, quando as crianças se tornam presa da droga e do tráfico, quando a doença ameaça a vida e tantas outras dificuldades acontecem na vida cotidiana. Ela é alívio, compreende, ajuda e eles creem nela e a invocam.

Tem um rosto coletivo essa Maria e não apenas individual. Seu rosto é o rosto do povo. Nesses momentos duros e importantes, ela é presença compassiva e materna. E para ela o povo clama e grita seus desejos insatisfeitos, suas orações, seus medos, suas inseguranças. E a presença da Mãe se faz sentir ao seu lado.

Na relação com a mãe está presente a busca pela proteção das origens. Neste sentido, o nascimento, a nutrição e os primeiros anos de vida são momentos da mais completa intimidade entre os frágeis e indefesos seres humanos, que se sentem seguros sob sua proteção. Este retorno às origens é repetido inúmeras vezes na existência humana e especialmente dentro da estrutura religiosa. A religião reconstrói idealmente a vida, partindo de novas figuras e relações familiares, afetivas e sociais com figuras prototípicas – como Maria e os santos – que são mais que humanos e cheios de extraordinárias qualidades e virtudes.

Maria é vista como a mãe ideal também porque o povo a sente ao seu lado, incluindo em seu cuidado maternal seu desejo de ser salvo e liberto, sob o aspecto individual, coletivo e cultural. Em Maria encontram acolhida e abertura maternal para sua libertação.

Neste mês de maio que começa, à vossa proteção recorremos, Mãe de Deus. Abriga-nos sob teu manto que os tempos são difíceis e sombrios. Consola-nos das aflições e ilumina nosso caminho. E vela por nossas crianças que também são tuas. Amém.

Fonte: Maria Clara Bingemer

Sobre a autora: Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. É autora de diversos livros, entre eles, ¿Un rostro para Dios?, de 2008, e A globalização e os jesuítas, de 2007. Escreveu também vários artigos no campo da Teologia.

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