Carta do Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores

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Meus queridos irmãos, o Senhor lhes dê a paz!

Em um dos relatos mais comoventes da ressurreição, somos testemunhas, com Maria Madalena, dos eventos que cercam a morte, o sepultamento de Jesus e o mistério do túmulo vazio (Jo 20,1-18). Ela, junto com um grupo de mulheres que também havia seguido Jesus, visitam o túmulo, “quando todavia estava escuro” (v.1). Ainda que não exista uma referência explícita sobre o motivo pelo qual Maria faz esta viagem dolorosa, podemos supor que ela e suas companheiras simplesmente necessitavam fazer luto pela morte de Jesus, seu mestre e amigo. Aproximando-se do sepulcro, ela se emociona ao encontrar a pedra removida que fechava o túmulo. Imediatamente, ela corre até a casa de Pedro e do “discípulo amado”, que estavam escondidos, para dizer-lhes que haviam levado o corpo de Jesus “sem saber onde o haviam posto” (v.2). O que incomoda Maria Madalena é a ausência do corpo do Crucificado, uma ausência que a impacta, a confunde e a desafia; não só a ela mas também a Pedro e aos outros discípulos.

O relato continua com a chegada de Pedro e do “outro discípulo” à tumba vazia. Diferentemente dos outros, Pedro não duvida, esperando fora do túmulo e refletindo sobre o significado do evento. Ele entra e observa as vestes fúnebres junto ao sudário que cobriu a cabeça de Jesus.  Além desses vestígios, não havia sinais do corpo; a tumba está sem vida, está vazia. Quando o “outro discípulo” entra na sepultura, observa as mesmas coisas que Pedro. No entanto, a narração prossegue e nos diz que “ele viu e acreditou” (v.8) Que coisa ele viu, que Pedro e Maria Madalena não viram? Como se aclarará de modo imediato no seguinte capítulo do Evangelho (Jo 21,7), o “outro discípulo” se destaca como um modelo, aquele que deposita a confiança absoluta em Jesus, o Messias prometido. A fé que ele demonstra é a consequência de sua proximidade a Jesus e da intimidade que ele compartilha com o mestre, uma intimidade a que todos somos convidados.

Voltamos, uma vez mais, à pessoa de Maria Madalena, uma discípula que fielmente esteve próxima de Jesus durante o horrível evento da crucificação. À diferença de Pedro e dos outros, ela não se afastou do humilhante e desumanizante evento da cruz.  Ao contrário, esteve próxima e vigiou com as outras duas Marias do Evangelho: a Mãe de Jesus e sua irmã, chamada também Maria. Deste modo, Maria Madalena é apresentada como uma pessoa de grande fé e profunda emoção, uma mulher que reconhece em Jesus o insondável mistério de Deus atuante no mundo. É ela quem, fora da sepultura, chora a morte de Jesus, chora por sua ausência em sua vida e na vida dos outros discípulos. Quando o corpo do morto está presente, há ao menos uma pequena consolação que provém do conhecer onde está o corpo e onde se pode fazer o luto pelo desaparecido, achando coragem na memória vivente do falecido. A sepultura vazia, em compensação, ameaça a possibilidade de haver luto e memória.

Agora, enquanto chora, Maria Madalena não pode ficar só olhando o túmulo. Talvez ela ainda tinha esperança de contemplar uma vez mais o corpo ferido e desfigurado de seu Mestre e Senhor. Seguramente ela nunca descartou a possibilidade de ver a Jesus de novo em sua vida terrena, e não só no tempo distante, depois da ressurreição dos justos, ao final dos tempos. Maria Madalena representa, então, o valor e a audácia de alguém que luta contra a aparente derrota e destruição, a confusão e o vazio por uma grande perda ou a mesmíssima realidade do sepulcro, sem deixar que isto lhe roube a confiança depositada no Senhor.

O evento da aparição de Jesus ressuscitado, exposto no Evangelho de João, não é uma experiência isolada. Enquanto chora próxima do túmulo, Maria se inclina e vê dois seres angelicais que estão no lugar onde haviam colocado o corpo de Jesus. O túmulo já não está vazio, agora está cheio da presença de Deus, sob a forma dos seres angelicais. Eles começam a dialogar com ela tentando ajudá-la a compreender o significado de sua dor e seu medo – “Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram” (v.13). Esta compreensão a ajuda a voltar uma vez mais ao Senhor Jesus, fisicamente, ainda que, todavia, não saiba que ele se encontra muito próximo dela. Jesus não permanece em silêncio. Ele abraça seu sofrimento e  seu luto. Abre um espaço para que ela expresse suas dificuldades e sua confusão. Assim como fez com seus discípulos, agora Jesus convida Maria a nomear “a quem” ela está buscando. Isto nos permite entender que a fé não é questão de memorizar doutrinas ou princípios, mas de  entrar na presença de uma pessoa, Jesus. Como o Papa Bento XVI e o Papa Francisco nos recordam, a fé implica um encontro com o Senhor da vida, Jesus (cf. Deus carita est; Evangelii Gaudium)! “Quem arrisca, o Senhor não o desilude”, disse o Papa Francisco. “Quando alguém dá um pequeno passo em direção a Jesus, descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada” (EG, 3)!

Nosso Pai e fundador São Francisco experimentou igualmente o que Maria Madalena e os outros discípulos viveram. É o feliz encontro com o Senhor da vida ele que impulsiona Francisco a romper em alegria e em crescente exultação como mostra em sua Carta a Todos os Fiéis:

Oh! como é santo e como é querido ter tal irmão e tal filho, agradável, humilde, pacífico, doce, amável e mais desejável do que todas as coisas, que deu a vida por suas ovelhas (cfr. Jo 10,15) e orou ao Pai por nós” (2EpFid 55-56).

Este é o feliz encontro de Maria no Evangelho pascal. Ela demonstra sua boa vontade para tomar o risco de confiar no Senhor Jesus ressuscitado e para se dar conta de que ele já estava ali, esperando-a, aguardando-a no momento que ela seria libertada uma vez  mais, libertada do medo, da confusão, da desconfiança e qualquer outro obstáculo; livre para permitir a Jesus que a abrace e a conduza até o reino de Deus. A resposta de Maria à pergunta de Jesus é inequívoca. “Eras tu, Senhor, a quem eu desejo amar com todo o meu coração, com toda minha alma e com todas as minhas forças (cf. Dt 6,5). Imediatamente, Jesus lhe confia a responsabilidade de servir como discípula missionária, enviada a compartilhar com o mundo a bondade do Senhor.

Irmãos meus, foi por meio do encontro de Maria Madalena com o Senhor da Vida, Jesus, que sua vida se transformou. Claramente ela foi uma mulher de profunda fé e constância. A fé tornou possível que Maria se movesse para além da  esfera normal de sua existência, fazendo frente às  alienantes forças da morte e do sem-sentido, e descobrindo uma vez mais a presença viva, amorosa e fiel de Jesus, seu amado Senhor. A fé lhe concedeu – e também a nós – o valor necessário para estar firme diante do mal, diante da injustiça e da experiência desumanizante da opressão política e social, e também diante da própria morte; para  declarar diante de Deus e diante da humanidade que o amor supera o mal, o perdão supera toda vingança e a esperança supera toda ameaça e medo.

A fé pascal nos dirige para a pessoa de Jesus e para a constante renovação de nossa relação com ele, removendo assim o mal, a morte e a sensação de isolamento que busca roubar-nos a esperança, o amor e a alegria. A fé nos leva para além daquele âmbito que poderíamos entender, manejar e inclusive controlar as realidades que acontecem ao nosso redor e no interior de nossas próprias vidas. É por meio da pessoa de Jesus – da fé nele – que nossos horizontes se ampliam para além do espaço e do tempo. “Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos…” (EG, 11). Este é o poder do amor que chega a nós por meio do evento da  ressurreição.

Neste Ano da Vida Consagrada, recordemos uns aos outros esta nossa condição de frades e, ainda mais, de irmãos que, como Maria Madalena, como Francisco, Clara e  inumeráveis homens e mulheres, santos franciscanos que nos precederam, somos chamados a compartilhar da mesma fé, constância e participação na missão evangelizadora de Jesus. Somos chamados a pregar o que nós mesmos testemunhamos  – e estamos testemunhando – em nossas vidas, concretamente a realidade de Jesus Cristo vivo. Ele ressuscitou dentre os mortos! O amor, a misericórdia e a esperança triunfaram na escuridão! Aleluia! É pela ressurreição de Jesus que somos capazes de abraçar nosso modo evangélico, itinerante e consagrado de vida como homens do Evangelho, embaixadores da reconciliação e portadores de luz e vida onde quer que o Senhor Jesus nos conduza.

Não tenhamos medo, nem preocupações, nem remorsos. Deus nos coloca em uma peregrinação para o futuro, uma peregrinação que tem lugar em e através do Espírito de Deus, o Ministro Geral da Ordem. Independentemente daquilo que a Ordem possa estar enfrentando neste momento, somos chamados insistentemente a buscar o rosto de Deus, seu amor e sua vontade para nossas vidas. “Este é o constante anseio de vosso coração, o critério fundamental que orienta vosso itinerário, nos pequenos passos da vida diária, nas mais importantes decisões” (Bento XVI, Homilia para a Jornada Mundial da Vida Consagrada, Feb. 2, 2013). Este é o constante anseio que permitiu a Maria Madalena reconhecer a voz do Senhor no jardim da nova criação. Este é o mesmo anseio constante que nós e eu devemos nutrir e manter vivo em nossos corações e entre nossos irmãos. Vamos ao Capítulo Geral, animados pelo mesmo e constante desejo: contemplar o rosto de Deus e convidar-nos uns aos outros e a toda a humanidade e a toda a criação, a reconhecer e celebrar a vida que brota Daquele que ressuscitou.

Desejo a todos vocês Irmãos, às Irmãs Clarissas e Concepcionistas, uma feliz e abençoada Páscoa!

Fraternalmente,

Frei Michael Anthony Perry, OFM
Ministro Geral e Servo

Roma, 22 de março de 2015

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